segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

100 LIVROS PARA AS MINHAS FILHAS #6


   Robert Louis Stevenson (1850-1894), deste já ouvistes falar. Foi quem escreveu A Ilha do Tesouro (1883), que por certo já visitastes, tal como O Estranho caso do Dr. Jeckyl e Mr. Hyde (1886), que escusais de ler se vos atentardes ao mundo dos homens em geral e dos artistas em particular. Morreu com a idade que vosso pai tem hoje, mas com uma vida incomparavelmente mais cheia. Naqueles tempos vivia-se menos, mas mais. O que contradiz a lógica aristotélica.
   Nascido em boas famílias da Escócia, teve uma educação privada para protecção dos brônquios. Pretendiam que fosse engenheiro, protegendo a continuidade do negócio de família, mas ele era mais dado a leituras, arte e ócio. Herdou do pai o gosto pelas viagens, encarregando-se de não as conspurcar com a mania dos negócios. A decisão pela literatura deixou a família perturbada, tornou-se evidente quando começou a deixar crescer o cabelo, a adoptar um estilo de vida boémio, a vestir-se como um ateu, a adoptar como lema o de muitos dos seus pares: desrespeita tudo quanto os teus pais te ensinaram.
   Eis, minhas filhas, ensinamento a que deveis prestar a máxima atenção, mais nenhum senão este deveis adoptar se pretendeis ser verdadeiramente livres. É vosso pai quem o diz.
   Desta e de outras máximas nasceram obras eternas, entre as quais deveis especialmente considerar Uma Apologia dos Ociosos (& etc, Junho de 2005). Das várias edições disponíveis a mais bonita é esta, devidamente prologada e seguida do ensaio Conversa e Conversadores. A «defesa pseudofilosófica da preguiça» ensaiada neste livro, surgido inicialmente numa revista publicada em 1877, diz-nos desde logo o que nenhum livro senão este pode ensinar: «Os livros são úteis à sua maneira, porém um substituto bem pálido da vida». E acrescenta: «Basta dizer isto: se um jovem não aprende na rua é porque não tem capacidade de aprender».
   Elogio do nomadismo contra o sedentarismo, da rua contra a academia, da experiência contra a literatura, isto é, de uma literatura com vida e experiência, colhida da terra e não da poalha dos livros. Contra a escolástica, colocando em xeque toda a ideia de Sucesso na Vida que não seja o vivê-la tirando partido das experiências, do contacto com o desconhecido. Um aventureiro, este Stevenson. Um hedonista, talvez: «Os prazeres são mais benéficos do que as obrigações porque, tal como a faculdade de perdoar, não são forçados, e portanto representam uma dupla bênção».
   Podeis contra-argumentar que tal discurso não seria possível sem barriga cheia, que o senhor Robert nos fala lá de um lugar onde não teve de chegar por dele ter partido, podeis desconfiar da sua argumentação crendo que bem diferente seria caso desde cedo tivesse ele sido forçado pelas circunstâncias a fazer pela vida como o comum dos mortais. Todas as críticas são válidas, desde que descanseis o corpo sobre elas. O que nestes casos importa é a mensagem, venha ela de onde vier. Certo é que mais nos valerá sempre um elogio do ócio do que uma defesa do sacrifício. A vida é curta, não merece que a desperdicemos com as despesas do supérfluo.

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