sábado, 9 de março de 2019

HYALINOBATRACHIUM YAKU




Foi descoberta uma nova espécie, a rã transparente
nela observamo-nos tal como somos
um sistema de órgãos funcionais,
tubagens e ligamentos

se a perfurarmos veremos nitidamente
como sofre cada pedaço do corpo,
o que nos faz retroceder
e desejar deixá-lo intacto,
museu escancarado de frangibilidades orgânicas
de onde ao mesmo tempo a ideia de corpo está excluída,
remetida às representações humanas
em que a dor se revolteia sob capas e peles,
e o sangue fulge só entre brechas

perfurar este batráquio revelaria uma simples destruição,
a quebra das acoplagens,
o fim da palpitação cronometrada

ainda que a transparência,
ao ser rasgada,
nos arrojasse de frente o halo da vida desprotegida


Catarina Costa (n. 1985), in Essas Alegrias Violentas (Companhia das Ilhas, Março de 2019). Desde Marcas de Urze (Cosmorama, 2008) que vem publicando com regularidade em editoras de distribuição restrita, o que explicaria alguma desatenção da crítica especializada não obedecesse esta a uma selectividade que pouco ou nada tem que ver com o âmbito de distribuição das editoras em causa. Na sua poesia vislumbramos jogos de contrastes entre luz e sombra, entre tempos e espaços diversos, ora oníricos, ora materiais, entre os domínios da loucura e da normalidade, da saúde e da doença. Destes contrastes retiramos a ideia de uma inclinação para o anómalo, por vezes detectado na alusão a disformidades corpóreas, na sugestão de um pathos determinado por imagens violentas, desfocadas e desfiguradas como sejam as que dão corpo à memória. O poema é ponto de encontro entre uma primeira e uma segunda pessoas, por vezes desdobradas numa terceira que abre os campos da intimidade e da confidencialidade, ainda que nunca de um modo absolutamente claro ou óbvio: «violo o laço da ínfima voz entre nós / perante um terceiro / na tentativa de obter uma resposta externa / aos fragmentos de adivinhas que me deste e não resolvi» (E. A. V., p. 34). Não violentando a leitura com exasperações e fúrias, Catarina Costa deixa subentendida nos seus versos uma violência à qual corresponde um processo de atrofia do ser. A solidão, o isolamento, o exílio, o afastamento, o desamparo, surdem de uma ideia de desejo não consumado, latente, que é o que realmente violenta o sujeito na sua intimidade.

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