sexta-feira, 12 de abril de 2019

LIXO AO AMANHECER


Esta madrugada, na rua
dominado por uma espécie
de curiosidade sociológica
revolvi com um pau o mundo surrealista
de alguns caixotes do lixo.
Verifiquei que mais do que morrerem as coisas são assassinadas.
Vi papéis ultrajados, cascas de fruta, vidros
de cor desconhecida, estranhos e atormentados metais,
trapos, ossos, pó, substâncias inexplicáveis
que a vida rejeitou. Chamou-me a atenção
o tronco de uma boneca com uma mancha escura,
uma espécie de morte num campo rosáceo.
Parece que a cultura consiste
em martirizar profundamente a matéria e empurrá-la
ao longo de um implacável intestino.
Até conforta pensar que nem mesmo o excremento
pode ser obrigado a abandonar o planeta.

Joaquín O. Giannuzzi, versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, p. 194.

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