quarta-feira, 10 de abril de 2019

ÚLTIMA CABEÇA



Todas as ideologias a açoitaram.
Jamais conheceu a alegria do possível.
Humilharam-na a história do mundo
e a vergonha do seu país,
a calvície, os dentes perdidos,
a obscuridade cavada sob os olhos,
o fracasso pessoal da sua linguagem.
O criador que no seu interior respirou
ávido de oxigénio e de perenidade
deixou cair o martelo. Foi a razão
quem cegou suas próprias janelas. Mas nem
no delírio encontrou qualquer conclusão.
Daí que talvez não tenha sido grosseiro
o modo de negar o mundo ao despedir-se.
Assim sucedeu:
repousando sobre a última almofada
voltou para a parede
o pouco que restava do seu rosto.


Joaquín O. Giannuzzi, versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, p. 199.

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