A escritora norte-americana Helene Hanff (1916-1997) ficou
conhecida como autora do livro 84, Charing Cross Road (1970), adaptado para
cinema por David (Hugh) Jones (1934-2008) em 1987. Os dicionários
classificam-no como realizador de culto, embora nunca tenha obtido grande
sucesso. Com uma carreira essencialmente garantida por trabalhos para
televisão, chegou a filmar para cinema com actores de renome tais como Jeremy
Irons e Ben Kingsley (Anatomia de uma Traição), Robert de Niro e Ed Harris
(Jacknife). É dele uma adaptação de O Processo, romance de Franz Kafka, com
Anthony Hopkins no papel principal e argumento do Nobel da Literatura Harold
Pinter. Quem também nunca granjeou grande popularidade foi Helene Hanff, autora
de várias peças que nunca chegaram a ser encenadas. 84, Charing Cross Road/A
Rua do Adeus (1987) baseia-se no romance epistolar com o mesmo título. É um
belo filme, com Hopkins no papel de livreiro em Londres e Anne Bancroft a fazer
de Helene Hanff. Judi Dench interpreta o papel de mulher do livreiro. A
história, ao que parece verídica, coloca em cena uma espécie de amor platónico
entre um livreiro e uma cliente, separados por um oceano. Ele trabalha numa livraria
em Londres especializada em livros antigos e raridades, ela vive em Nova Iorque
e encomenda-lhe livros. Nunca se chegam a conhecer, mas geram entre si uma
relação que transcende meros interesses comerciais. Admiram-se, vivem na expectativa
de virem a conhecer-se, trocam confidências nas cartas que anunciam encomendas
e despachos. O filme é um belíssimo exercício cinematográfico, pelo desafio que
é fazer contracenar duas personagens que nunca estão na presença uma da outra. Anthony
Hopkins, igual a si mesmo, é sempre um senhor. Anne Bancroft, mais agitada,
fala para a câmara, teatraliza, garante ritmo à acção. Elogio da palavra
escrita, 84, Charing Cross Road provoca-nos a nostalgia de um tempo que
acabou. As cartas foram substituídas pelas sms, e com isso perdeu-se o que a espera oferecia: ansiedade, expectativa, pensamento. Entre o
envio de uma missiva e a chegada da resposta havia um período que permitia
pensar, um tempo de espera que desapareceu. Esta aceleração da comunicação
tem o efeito óbvio de nos retirar o tapete da reflexão. À época, o filme ainda
não teria em perspectiva tais temas. Mas (re)vê-lo provocará
inevitavelmente tais impressões, até por estarmos a falar de uma livraria
como elas já não existem, espaços onde os livros eram tratados e pensados para
lá do seu valor meramente comercial. Hoje, substituam os livros por sabonetes
num qualquer espaço livreiro dos mais comuns e obterão o mesmíssimo resultado. Esta
possibilidade de uma relação afectiva separada por um oceano de distância,
assente no amor aos livros e a tudo quanto nos oferecem, tornou-se miragem.
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