Quatro livros publicados: O Pequeno Mal (Edições
Sempre-em-Pé, 2011), El Segundo (edição do autor, 2015), RSO&SBC (Douda
Correria, 2018), este escrito a meias com Ramiro S. Osório (n. 1939), e Monda
(Edições Sempre-em-Pé, Abril de 2019). No jornal Público, Luís Miguel Queirós
referiu-se-lhe há tempos como uma voz dissonante da novíssima poesia portuguesa.
Colocando de lado a problemática dos novíssimos, podemos indagar a questão da
dissonância. O que os poemas coligidos em Monda oferecem de incomum no vasto, díspar
e complexo mundo da poesia portuguesa actual é o culto da rima, realizado com apuro
rítmico que não é frequente encontrarmos nas novas gerações. O poema Champanhe
é bom exemplo:
Na noite em que inventaram o bagaço
Vim a saber depois
Pensaram em nós dois
Na noite em que inventaram o bagaço
Como que por magia
Sabiam que eu havia
De o usar pra puxar o lustro ao espaço
Até os olhos doerem de brilhantes
Porque goste-se ou não
É assim que as coisas são
E nunca voltam a ser como eram
Dantes.
Mas o título deste poema denuncia o seu tempo. Champanhe
é fruto da ironia, figura de retórica altamente vulgarizada nos dias correntes.
A poesia de Sebastião Belfort Cerqueira (n. 1987) encaixa lindamente nos carris
instaurados no século XX português por um poeta como Alexandre O´Neill. De
resto, é nele que pensamos quando lemos o poema Paisagem da página 29: «Fico
como o do cherne / Contente com o empate» (p. 29). Também muito de agora é a
salada de referências mais ou menos óbvias. Da citação roubada aos Fleetwood
Mac para epígrafe do livro a um poema evocativo do poeta norte-americano Shel
Silverstein, da dedicatória a Ramiro S. Osório a uma evocação de Roberto Carlos
— «E que tudo o mais / Vá prò inferno» (p. 60) —, muitos são os faróis que
alumiam estes versos. Alguns de convivência improvável. Esta é uma das características
mais sedutoras de Monda, a capacidade de conciliar a inquietação de um
Álvaro de Campos ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra com o punk
desabrido de uns Butthole Surfers.
Inquieta ou indiferente, desinteressada ou melancólica, esta poesia exibe no seu aspecto mondado uma pulverização
de referências da qual absorvemos um prazer de leitura a que não há-de ser
alheio o divertimento da escrita. O sol, o mar, dias lindos, como que surgem
envoltos na incerteza de uma piada. O cinismo do discurso recorre ao jogo
semântico, como nesse Terceiro poema sobre o mar em que a preposição “sobre”
surge com o duplo sentido de “em cima de” e “acerca de”: «Sobre o mar / Como um
destroço / À procura de ir ao fundo / Da questão que ninguém pôs / (Chama-se
sol)» (p. 15). Por vezes o poema resvala para o autoquestionamento, mas sempre
com a clara intenção de lhe retirar qualquer “importanticidade”. Pode um poeta
assim ser acusado de ligeireza, o que em si mesmo não é defeito nem virtude. Em
nada havendo a perder ou a ganhar, o que interessa, no final, é o usufruto livre
das palavras. E estes poemas sugerem essa liberdade, porventura epicurista na
raiz filosófica que possam ter: «Vou passar a tarde a rir / Como um perdido»
(p. 25). Onde outros escrevem lágrima, Sebastião Belfort Cerqueira escreve
riso, onde aqueles escrevem tristeza, este grafita alegria, onde alguns
mergulham na dor, este procura fazer emergir o prazer, onde aqueles cultivam
melancolia, o autor de Monda parece colher contrastes. Ganha o leitor com a
diversidade.
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