sexta-feira, 12 de julho de 2019

TRÊS GRAÇAS


A presença de divindades pagãs num poema épico cristão é um dos elementos d'Os Lusíadas que mais perplexidade e desaprovação têm causado à crítica ao longo dos séculos. É verdade que Os Lusíadas são o único poema épico do Renascimento que os usa, mas não é menos verdade que o uso dos deuses pagãos era corrente tanto na pintura quanto na poesia pastoril renascentistas. E embora Vénus tenha servido a Camões para estabelecer uma relação histórica entre Roma e Portugal por referenciação intertextual à Eneida, a Vénus que responde às preces cristãs de Gama é também - mais ainda do que a deusa pagã da épica virgiliana - a Vénus pastoril do epicurismo renascentista, cuja representação nas Três Graças servia para significar as três vias capazes de levar o homem universal à verdadeira felicidade, combinando Poder, Sabedoria e Prazer, vita activa, vita contemplativa e vita voluptuosa.

Helder Macedo, in Cada Um Com o Seu Contrário Num Sujeito, Abysmo, Fevereiro de 2019, pp. 30-31.

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