Evito certos temas, principalmente quando sobre eles são
geradas vagas de controvérsia capazes de arrastar qualquer réstia de bom senso.
Não, René, o bom senso não é, de todo, a coisa do mundo mais bem distribuída. Ontem,
porém, não consegui evitar. Face ao comentário aqui transcrito sob a forma de
título, senti necessidade de dizer alguma coisa. O que poderá levar alguém a
referir-se a uma miúda naqueles termos? Há miúdos terríveis, sem dúvida, há
miúdos que fazem coisas cruéis, indiscutível. Hoje em dia fala-se amiúde de
bullying entre adolescentes, basta darmos um passeio pelo YouTube para facilmente
depararmos com matéria deprimente. Logo nos sentimos tentados a generalizar,
concluindo que os adolescentes são mais ágeis e expeditos no que toca à
assimilação dos piores vícios humanos.
Mesmo supondo que aquela afirmação se referia a um desses
miúdos violentos, chantagistas, energúmenos, faria ela sentido? O que pode
levar um adulto a dizer “esta miúda é uma merda”? Um deslize, talvez. Porventura
um lapso. Ter-se-á o adulto deixado levar pelo entusiasmo como é frequente nos
adolescentes. Seria um adultescente? Enfim, há muitas respostas possíveis para dúvidas
análogas e se calhar estão todas certas, e se calhar nenhuma faz sentido. Terá
sido apenas um desabafo imponderado.
Mas a frase referia-se a Greta Thunberg, a tal miúda
sueca que anda nas bocas do mundo. O que fez ela para andar assim nas bocas do
mundo? Foi a um lugar geralmente frequentado por adultos, muito mal frequentado,
diga-se de passagem, proferir palavras acerca de um dos temas mais prementes na
actualidade: alterações climáticas. Não é sequer novidade, outros antes dela o
fizeram com igual empenho e a mesma ênfase numa eternamente adiada urgência.
Aos que no passado o fizeram, o nosso reconhecimento histórico pelo gesto. Que
as palavras tenham caído em saco roto não importa, cumpriram o seu papel como
Greta agora cumpre o seu.
Não consigo compreender por que gera tanto ódio e
desprezo esta miúda. Será pelo que diz? Será pelo modo como o faz? Julgaria que
lhe ficaríamos gratos por demonstrar, mais que não seja, haver causas
capazes de arregimentar jovens e adultos, todos em torno de um problema comum.
De tanto ouvir falar no desinteresse da juventude pela política, de tanto ouvir
falar na passividade e no amorfismo dos jovens, julguei que os sucessivos
exemplos de empenho cívico em torno da causa representada por Greta Thunberg
pudessem ser interpretados como um sinal de esperança e, senão para todos, pelo
menos para a maioria, um exemplo claro e evidente de que é possível despertar consciências
e levar à acção.
Enganei-me. Muitos adultos continuam a olhar para os mais
jovens como aquela classe que desde cedo pretendemos arrumada à imagem e semelhança
de vetustos vícios e virtudes. Preferimos vê-los empunharem as bandeiras que
sempre agitámos, com as camisolas dos clubes de que fazemos parte. Custa-nos
menos aceitar que se tornarão como nós do que imaginar que poderão desviar-se
dos caminhos por nós traçados. É muito mais confortável olhar para eles como
quem olha para mais do mesmo. E talvez seja isto o que leva alguém a dizer que Greta
é uma merda, pois é de facto uma merda assumir o erro e humildemente reconhecer
que errámos. Errámos, desde logo, no diagnóstico. Por consequência, falhámos
redondamente na terapia.
Quando o mundo pedia terapias de choque, a gente
contentou-se com placebos e xaropes. Não importa que outros antes de Greta ou
ao mesmo tempo que Greta reivindiquem de modo mais esclarecido a favor desta
causa humana básica e universal: a sustentabilidade do planeta. Porque o
problema é este, o problema é a sustentabilidade do planeta. O problema não é a
Greta ou outros como ela. E já dizia o poeta que para resolvermos um problema
basta reconhecermos onde ele está. Talvez ainda nem todos tenham reconhecido
que não está na miúda, mas sim naqueles a quem ela se dirige e aponta o dedo.
5 comentários:
É claro, sem tirar nem pôr.
Está tudo a apontar e prontos a disparar para uma miúda em sofrimento, aconteceu quando discursou claramente transtornada na ONU, mas não apontam para dor maior que está onde ela aponta: o estado do mundo ou a forma como estão a destruir.
Há esta tendência estranha de desviar a atenção do essencial com assuntos menores. Saúde ambos. P.S.: João, já vi mails. Respondo amanhã que hoje tenho a cabeça em água.
E há aquilo de porem o dedo, a toda a hora, no facto de ser autista, uma Asperger, quando o mesmo se diz do Einstein, nos últimos anos. Tanto quanto se sabe (eu conheço um), são extraordinariamente inteligentes, pouco focados na merda da escolaridade habitual, andampor outras vias de informação e conhecimento e são pouco dados a ligações ditas afectivas.
Pergunto-me se esta clara preocupação pelo ambiente não é uma demonstração absoluta de afecto: pelo planeta, por todos nós, sem beijos, sem abraços, com uma luta incrível (mesmo considerada a ejaculação nem sempre correcta dos media, que foi assim que soubemos dela e da sua luta), aos 16 anos.
E, depois, aquele Trampas, dizendo que a acha feliz, estou como o Luós Januário há anos: tanta bomba perdida....
Lamento, mas já não tenho qualquer espécie de contemplações por gente de merda, os tais que, de facto, destroem tudo: pessoas decentes, o único planeta que temos!
Olá Henrique, há uns anos atrás estive doente e na perspectiva da morte uma das coisas que mais me afligia era achar que não havia nas novas gerações quem tivesse ânimo. Agora estou curada e além disso descansada porque acho que isto daqui a uns anos vai ficar em boas mãos. Esperemos que não seja tarde demais. Bjs Ana
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