1. O PS tem mais votos, mais percentagem, mais mandatos. A
boa notícia é não ter conseguido maioria absoluta.
2. O Bloco tem menos votos, menos percentagem, mas mantém
mandatos. E manterá, por certo, a boa imprensa do costume, com Louçã a fazer as
honras da casa. A excepção foi o caso Robles. Mas quem ainda se lembra de
Ricardo Robles?
3. A CDU tem menos votos, menos percentagem, menos
mandatos. A minha candidata por Leiria não foi eleita, ficando o país a perder
com isso. Há quem menospreze o PEV pela ligação ao PCP, mas talvez fosse honesto
reconhecer que houve alguém desde sempre preocupado com as questões ecológicas
neste país. Muito antes desta recente hipocondria climática que afectou a
opinião pública houve vozes autenticamente ecologistas e ambientalistas que se
fizeram ouvir e estiveram na luta contra os desmandos da indústria poluidora. “Ecologia
sem luta de classes é jardinagem”. Obrigado Heloísa Apolónia, a luta continua.
4. Só o PS ganhou votos com a geringonça, será a análise
mais imediata. É óbvio também que nem Bloco, nem CDU, desapareceram do mapa
como muitos vaticinaram. O caos anunciado há quatro anos não se verificou, a
estabilidade agradou aos eleitores. Aos que votaram.
5. Podemos falar da vergonhosa limpeza por fazer dos
cadernos eleitorais, podemos falar de um maior número de eleitores, podemos
tentar encontrar todas as desculpas e mais algumas. A verdade é crua: um país
com 45,5% de abstenção tem a democracia na bancarrota. Mais 2,54% em branco e
1,74% de nulos, é fazer as contas: quatro milhões quatrocentos e sessenta e
oito mil setecentos e noventa e oito eleitores, repito, 4.468.798 eleitores não
encontram num boletim de voto A3, com mais de 20 propostas políticas, nada que
lhes motivasse o exercício cívico de votar, de escolher, de optar, de
contribuir. Isto é particularmente grave num país em que o
jornal mais lido é o CM e a televisão a ele associada conseguiu eleger o seu
populista de serviço.
6. Parabéns ao Livre pela eleição de um deputado. Ou
uma deputada, se preferirem. Joacine é uma figura simpática, transporta beleza
e inteligência para um Parlamento que carece, pelo menos, da segunda.
7. PSD e CDS têm menos votos, menos deputados, menos
mandatos. São os derrotados da noite, nomeadamente o CDS. Assunção baixou
a crista. 'Tá-se. A má notícia é o baixo nível desta direita democrática, o que
permite adivinhar debilidades no confronto com uma outra direita em ascensão. Basta
olhar para algumas figuras eleitas no grupo "parlamentear" do PSD, que ficamos com uma noção do nível de exigência. Além da patente falta de experiência
legislativa, para não falar das capacidades oratórias e do nível intelectual, o
cenário é altamente confrangedor. Imagino-os a altercar com a direita radical e
prevejo um colapso.
8. O PAN cresce estupidamente em votos, em percentagem e
em deputados. A par do PS é o grande vencedor da noite, aproveitando o facto de
ninguém ler programas de partidos. Incluindo os próprios deputados eleitos. Bastam causas fixes, amigas do
ambiente e protectoras dos animais. Este infantilismo do discurso político não
só é altamente perigoso como nos oferece um horizonte negro.
9. O populismo à portuguesa regressa ao parlamento, desta
feita patrocinado pelo mais lido jornal português: o Correio da Manhã. País desventuroso
tem agora o seu Ventura de serviço, e veio para ficar. O pior que pode
acontecer é não o levarem a sério. Ele augura que dentro de oito anos será o
maior partido português, eu não hesitaria em considerar tal cenário. Ando pelos
cafés e ouço pessoas, as redes sociais também ajudam ao diagnóstico. Portugal é
um país altamente racista, conservador e a explodir de raivas e fúrias
latentes, para os quais contribui uma imprensa sensacionalista que faz Portugal
parecer um país do terceiro mundo a quem não faz a mínima ideia do que seja
viver num país do terceiro mundo.
10. A Iniciativa Liberal lá meteu o seu start up guru
cheio de pica empreendedora para nos educar na arte do sucesso. São os
descontentes do CDS, mais outros do PSD direitista, gente formada em economia
com ideias esclarecidas no domínio da teoria. Não lhes bastará defenderem menos
Estado, mas radicais baixas de impostos soam bem a muita gente. Têm um
calcanhar de Aquiles que o Chega não tem, são altamente cautelosos no que toca
a discutir os desmandos da banca e as fragilidades do mercado financeiro. Está
na altura de rever Wall Street.
11. Com a direita assim partida é bom que a esquerda se
entenda, sob pena de em eleições antecipadas o que agora são cacos se
transformar numa geringonça altamente populista.
10 comentários:
Concordo contigo em tudo. Algum dia haveria de acontecer :-)
:-)
Isso tudo.
As coisas estão a mudar e não necessariamente para melhor. Estamos perante os primeiros sintomas disso. O "chega" ao contrário da iniciativa liberal e do livre que somente têm expressão em Lisboa, já está espalhado pelo país todo, apesar de ainda serem poucos os apoiantes...
O PS não roubou deputados ao bloco como seria normal e isso vai-lhe sair caro no futuro próximo. Repara que o eleitorado do PS é muito à base de idosos a quem as pensões foram devolvidas...
Os dinossauros tipo santana e marinho foram varridos do mapa. Aparecem jovens turcos a lançarem-se para a ribalta. Eu quero acreditar nas gerações mais novas mas isto não me está a cheirar nada bem... Aliás, o que levará um ser humano a votar no PAN, pergunto?...
Abç
O número de votantes no Chega na região do Alentejo deixou-me boquiaberto. Em Rio Maior ainda entendo, mas no Alentejo. Porra, um partido que defende o que defende. Este artigo resume bem: https://www.publico.pt/2019/10/07/politica/perfil/andre-ventura-eleito-chega-extrema-direita-parlamento-elei%C3%A7%C3%B5es-1889055 . Até nas trafulhices revelam método. Cada pequena trafulhice é tempo de antena garantido, dá para fazer o discurso do coitadinho, ainda agora chegámos e já estão cheios de medo, levando de arrasto milhares de tontos anti-sistema democrático. Com o gajo no parlamento aquilo vai ser bola de neve.
Concordo com quase tudo e acho o Ventura muito perigoso. O porquê da votação no Alentejo também não entendi, mas poderá estar a ligado com novos fenómenos que por lá estão a passar: a invasão da planície por olivais intensivos plantados e geridos por empresas espanholas mantidos por mão de obra emigrante, que trabalha em condições muito precárias, numa região desertificada com muito pouca população. A influência da CMtv influencia e muito o que se está a passar. Quanto aos Liberais, ver «A queda de Wall Street» (2015) seria ainda mais útil. saúde
Entretanto, vou ver com atenção a votação do Chega por distritos e zonas, a ver se é possível perceber melhor o que se passa.
Isso que referes do Alentejo é muito pertinente. Não tinha pensado nisso.
Incrível a tua leitura sintética! Abraço (Vim cá dar um bitaite, que já não dava há muito tempo)
Abraço.
Quanto à surpreendente votação do Chega no Alentejo, 2 pormenores talvez a ter em conta: o contágio, por proximidade, sobretudo via TV espanhola, do neofascista VOX, crescente na Andaluzia; um fenómeno semelhante ao da França dos anos 90, em que comunistas ‘orfãos’ começaram a votar Le Pen. Convém também não esquecer que o militante de base comunista nunca foi internacionalista como os seus dirigentes
José Quintas
Enviar um comentário