segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

VERDADEIRO OU FALSO?


Há muito de verdadeiro nas Histórias Falsas, de Gonçalo M. Tavares, publicadas pela primeira vez em 2005, na Campo das Letras. São 9 contos que recuperam personagens históricas, mormente do universo da filosofia clássica, apropriando-se de mitos e lendas a elas associadas, misturando-as e baralhando-as sem grande preocupação com os factos em si. O princípio filosófico é o do exemplo, da analogia, da parábola. Imaginemos que… E daqui se parte para uma especulação que tem tanto de poético como de filosófico, tem tanto de ficção como de realidade, tem tanto de falso como de verdadeiro, subvertendo a lógica de que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Logo na segunda, a que recebe Tales de Mileto como protagonista, ao lado de uma criada chamada Lianor. A certa altura damos com esta divagação:

(…) Dos filósofos e dos poetas sabe-se pouco; no entanto, uma certeza: não são como os outros; não mudam.
   Se Procrustes, o bandido de Ática, que depois de roubar os viajantes, os deitava numa cama de ferro, cortando-lhes os pés se estes fossem mais compridos que a cama, e esticando-os com cordas, no caso de serem mais pequenos; se, dizíamos, Procrustes, o bandido de Ática, aprisionasse um sábio ou um poeta, não teria dificuldade em transformar-lhes o corpo de acordo com as medidas da sua violência, mas o que jamais conseguiria era normalizar-lhes ideias, ou a vontade.

(…)

Gonçalo M. Tavares, in Histórias Falsas, Leya, 2.ª edição BIS, Setembro de 2011, pp. 22-23.

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