segunda-feira, 25 de maio de 2020

DA DEMOCRACIA

Que pode significar a democracia para uma pessoa obrigada a subsistir nos estratos inferiores da condição proletarizada, na actual conjuntura da reprodução social? Para quem enfrenta as condições de vida materiais na mó de baixo, na sociedade do capital em crise, a democracia é cada vez mais uma abstracção, um jogo de representação mediática afastado da sua realidade, embora não estranho quanto às consequências das decisões democraticamente adoptadas.
   A democracia - ta como, em geral, a política -, tematizada como representação, converteu-se numa mercadoria mediático-espectacular de redes sociais, tertúlias e programas de televisão, de profissionais especializados (professores, analistas, jornalistas, artistas, fazedores de opinião, politólogos, etc.) que são figuras representativas da submissão clientelista à ordem dominante, na sua dupla vertente de representação à direita e à esquerda. Na prática, a democracia é uma oportunidade profissional para os aspirantes a gestores da representação, na mesma medida em que é uma oportunidade de negócio para as empresas da produção e comunicação do discurso dominante, incluindo os partidos políticos. No fim de contas, estes são também entidades empresariais.
   Porém, no que diz respeito à vida do indivíduo proletarizado, a democracia não é mais do que uma trama de interesses de grupos oligárquicos empresariais constituídos em torno da Administração pública, com a mediação de profissionais e técnicos cujas decisões são legitimadas periodicamente no processo eleitoral. O carácter autoritário e classista da democracia, na sua materialização prática, consiste na adopção de decisões por uma elite político-económica cujas consequências recaem directamente sobre a massa da sua concreção prática, o sistema democrático está constituído por teias gestoras em todos os sectores da actividade económica e da reprodução social, incluindo a representação política, coisa que deu azo à ilusão da autonomização da esfera política, simplesmente porque se projecta como uma borbulha auto-referencial no interior do espectáculo mediático protagonizado pelos profissionais da representação.


Corsino Vela, de um artigo intitulado "Gestão Democrática do Colapso no Capitalismo Terminal?", in revista Flauta de Luz, n.º 7, Abril de 2020, p. 90.

1 comentário:

Transhümantes disse...

Pois mais do mesmo, há que passar à acção. Criar uma autonomia do estado organizar-nos e reaprender a viver essencialmente abdicando deste estilo de vida, o da irresponsabilidade... senão começa a uma chatice ler sempre do mesmo escrito de outra forma.

Saúde!