domingo, 24 de maio de 2020

UM POEMA DE ANTÓNIO FERRA



Dizem estudos que os velhos gigantes também ardem,
o que me surpreende, pois
sempre lhes concedi a vida eterna.
Lembro-me do Homem Grande
com cara de Ulisses no ocaso,
quando vinha à rua os cães perdiam-se a cheirar-lhe a altura,
caminhava bamboleante oferecendo a contemplação à vizinhança.

Nunca falei com ele, apenas boas-tardes quase sem resposta,
tinha medo de lhe desfocar a imagem,
não fosse a sombra enorme desmoronar a praceta,
passeava a vida longa e a dimensão antes que a morte o levasse,
e levou, numa urna onde lhe cabiam poucas falas.


António Ferra, in Ente, edição do autor, com desenho do próprio, Junho de 2020, s/p. 

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