POEMA DO PEYOTE, PARTE 1
Livre — os sentidos vivos — na cadeira preta — De balanço —
as paredes brancas reflectindo a cor das nuvens
movendo-se sobre o sol. Intimidades! Os quartos
não importam — senão como divisões de todo o espaço
de toda a beleza e fealdade. Oiço
a música de mim e escrevo-a
para ninguém. Passo fantasias que
me cantam com Vozes de Circe. Vagueio
entre os muitos de mim e sei tudo
o que preciso de saber
EU SEI TUDO! ENTRO NO QUARTO
há um leito dourado radiando toda a luz
o ar está cheio de colgaduras prateadas e de forros
Sorrio para mim. Sei
tudo o que há para saber. Vejo tudo o que
há para sentir. Gosto da dor
no meu ventre. A resposta
ao amor é a minha voz. Não há Tempo!
Nem respostas. A resposta ao sentir é o meu sentir.
A resposta ao júbilo é júbilo sem sentir.
O quarto é um querubim multicor
de ar e cores brilhantes. A dor no meu estômago
é quente e suave. Sorrio. A dor
tem muitas pontas, sem angústia!
A luz muda o quarto de amarelos a violeta!
O espaço castanho escuro atrás da porta é precioso
íntimo, calado e quedo. A terra natal
de Brahms. Sei
tudo o que preciso de saber. Não há presssa.
Leio o significado de paredes raspadas e tectos rachados
Estou separado. Fecho os olhos em divindade e dor.
Pestanejo em solenidade e júbilo insolente.
Sorrio para mim nos meus movimentos. Andando
subo em cuidado. Encho
espaço comigo. Vejo os secretos e distintos
padrões de fumo da minha boca.
Sou sem desassossego parte de tudo. Distinto.
Estou separado de melancolia e beleza. Vejo tudo.
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(AMPLITUDE
E horrenda intensidade — fechado em mim. Não mais
nuvem
mas carne real como rocha. Como Herakles
de primordial substância e vitalidade
E sem medo sequer da coisa despojada de glamor
mas aceitando.
As coisas belas não são de nós
mas observo-as. Entre elas.
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E a coisa indiana. É verdadeira!
Aqui no meu apartamento penso pensamentos tribais.)
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ESTÔMAGO!!!
Não há tempo. Sou visitado por um homem
que é o deus das raposas
tem lixo debaixo das unhas da garra
fresco no seu antro.
Sorrimos um ao outro em recognição.
Estou livre do Tempo. Aceito isso sem triunfo
— um facto.
Fechando os olhos há chispas de luz.
Os meus olhos não focam mas saltam. Vejo que tenho três pés.
Vejo sete lugares duma vez!
O chão inclina-se — o quarto foge
as coisas dissolvem-se
umas nas outras. Chispas
de luz
e torvelinhos. Espero
a ver a coisa física passar.
Estou num planalto de tempo e espaço.
!ESTOU — MAGO!
Escrevendo a música da vida
em palavras.
Ouvindo os sons vivos da guitarra
como cores.
Sentindo o toque da carne.
Vendo o caos solto de palavras
na página.
(derradeira graça)
(Gentil Yeats e a sua bola de haxixe.)
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O meu ventre e eu são dois indivíduos
unidos
para a vida.
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ESTA É A CIÊNCIA PODEROSA
sorrimos com ela.
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À janela olho para a melancolia
cinzenta de tristeza.
Estou quente. No dragão do espaço.
Olho para nuvens vendo
as suas nebulosas convoluções.
Os giros de vapor
Reduzirei nuvens ao nada.
Tornam-se peixes devorando-se.
E mudam com os espíritos santos de Dante
tornando-se uma águia marinha no céu gelado
para me desafiar.
Michael McClure, in Antologia da Novíssima Poesia Norte-Americana, selecção, tradução, prefácio e notas de Manuel de Seabra, Editorial Futura, 1973, pp. 86-90.
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