terça-feira, 19 de maio de 2020

"POESIA HÁ EM TODO O LADO / ATÉ OU MAIS AINDA NO CAIXOTE DO LIXO"


(...)

hoje vivemos uma fase
em que tudo parece emagrecer
não só nas passagens de modelos
a poesia também padece
à poesia já pouco mais se pede
que emagreça para caber
e no entanto
sem a lua nova não há lua cheia
e até
quando visitei a Amazónia
a convite do Governador do Pará
meu distinto amigo
aprendi que no falar dos índios
o termo para as duas luas
nova e cheia
é o mesmo
e
ouviu-se que há oitenta noventa anos
foi a última vez
que houve umas divagações interessantes
sobre a lua
deve ser se não estou equivocado
leitura a mais do passado
e embora a lua nova
pareça um espaço lá vazio
cá é que ele é vazio
lembra aqueles dias tão falados
em que roubada do Louvre a Gioconda
o museu decidiu exibir por uns dias
o buraco deixado dentro do caixilho
uma janela sem mulher
e Franz Kafka que como se sabe
foi um dos visitantes
a imaginar em cima a mulher
e em baixo
a barriga da Gioconda grávida
que sorri aquele sorriso beduíno
porque está a ocultar
uma barriga disforme
onde alguém ainda dorme
isto é genuíno

(...)


Alberto Pimenta, in al Face-book, 7 nós, 1.ª edição Março de 2012, 1.ª reimpressão Maio de 2012, pp. 28-29.

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