Nunca falei disto a ninguém, nem à minha mulher, família
ou amigos. Jamais consegui expor o caso ao psicólogo, talvez por medo ou
vergonha. Não sei. Temi que não me levassem a sério, que me dessem por louco,
que me internassem. Talvez que me ridicularizassem. Guardei-o para mim julgando
que morreria comigo, sem me ter passado pela cabeça a possibilidade de um dia
me encontrar nas actuais circunstâncias. Chegou o momento de revelar o mais
profundo dos meu segredos, o qual, reconheço, condicionou para sempre a minha
vida e há-de continuar a condicioná-la até ao momento do juízo final. Todos
quantos me conhecem sabem do meu cepticismo, acompanhado mais de dúvidas do que
de certezas quanto aos méritos de partir de um princípio crítico de negação.
Sofro com ele como com poucas coisas mais, preferia acreditar, ter uma fé cega
no improvável e no invisível. É sempre tão transparente, o invisível. Muito
mais belo e sublime do que a opacidade em que existimos, tentando sobreviver
aos outros e a nós próprios. Certas horas, certos momentos, certos instantes,
levam-nos, porém, pela clareza e pela indiscutibilidade, a abdicar dos nossos
próprios princípios. São autênticas epifanias. Só quem nunca se viu numa
situação limite é que pode negar tal evidência. Mas eu já me vi numa situação
limite, foi há muitos anos e marcou-me para sempre, para toda a minha vida e
há-de marcar-me para a eternidade. Eis a situação: uma vez vi Nossa Senhora.
Foi na Festa do Avante.
2 comentários:
Acredito...terás lá fumado ópio numa das capelinhas? Alguém que não Deus (mas adorado como tal por alguns) disse um dia qualquer coisa sobre ópio e religião.
Continuação de bom confinamento!
A.
Hahahaha! Tive que me rir deste comentário, e também destes anti-comunistas que tanto sabiam e criticavam a ex União Soviética e a China ditatorial e que agora estão metidos em casa como ratinhos obdientes debaixo de um regime que para eles ainda representa a liberdade...fora isso, está interessante o texto embora nunca tenha ido ao avante.
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