quinta-feira, 25 de junho de 2020

PORTUGAL NÃO É RACISTA

Está prestes a realizar-se uma manifestação subordinada ao tema ilustrado pelo título desta prosa. É difícil discordar de premissa tão axiomática. De facto, como pode ser racista um país? Em si mesmo, um país não é racista a não ser que na sua Constituição existam artigos discriminatórios de etnias. O racismo, de resto, surge de um erro de análise que já devia ter sido ultrapassado mas ainda não foi: o de que existem raças entre seres humanos. Tem sentido falar de etnias, não faz sentido algum falar de racismo. Entre os bichos há raças, entre os homens só há bestas. Devíamos ficar por aqui. No entanto, o instinto das bestas determina a que não fiquemos por aqui.

Se Portugal não é racista, e a nossa Constituição leva a crer que o não seja, há portugueses que o são. Alguns até pretendem mudar a Constituição da República, são exactamente os mesmos que propõem confinamentos especiais para determinadas etnias. Isto é um bocado racista. Mas se não devemos reduzir Portugal à existência desta gente, também não podemos ficar serenos com a forma como buscam desagravar o que os próprios agravam. É que entre as bestas que se preparam para nos lembrar de que Portugal não é racista existem delas que até já foram condenadas por actos racistas ou aguardam julgamento sob acusação de racismo. 

Pois que Portugal não é racista, não como declaradamente o era a África do Sul do apartheid, mas, infelizmente, há racismo em Portugal. Há racismo em todo o lado, é por isso que convém combatê-lo. Deixem-me dar-vos um exemplo prático, claro, objectivo e esclarecedor de racismo à portuguesa:

 

Este comentário foi-me dirigido há dias, após um desmentido oficial relacionado com o acesso ao Rendimento Social de Inserção por parte de pessoas de etnia cigana. Repare-se na confissão: «não confio em ciganos, não os queria ter como vizinhos nem que frequentassem a escola do meu filho». A conclusão é objectiva: «Sou racista, para qualquer um que não saiba viver em sociedade, seja branco, preto ou às riscas…» Pobres zebras. Temos aqui, portanto, uma cidadã porventura exemplar de um país que não é racista, mas onde incontestavelmente existe racismo. Não só existe, como surge declarado sem qualquer tipo de pudor por essas redes fora. 

Não vou perder tempo a contrapor os preconceitos e os estereótipos de quem assim fala, embora julgue fazer falta a esta senhora alguma criatividade. Quero só reforçar que os dados por mim apresentados a que o interlocutor se refere incluíam campos de concentração, gulags, bombas atómicas, realidades históricas que, para a pessoa em causa, «são insignificantes comparando com os atropelos cometidos pelos ciganos na sociedade». O que foi Auschwitz ao pé da Quinta da Fonte? Uma ninharia. 

Com este exemplo, pretendia eu provar que Portugal não é racista… à condição, dado ser factual a existência de racistas em Portugal. A gravidade não está apenas em existir gente que pensa assim, está também nas acções concretizadas. Desde há alguns anos que vêm sendo cada vez mais frequentes as notícias sobre actividades dos movimentos neonazis portugueses, especialmente violentos na manifestação do racismo que os move. A Europol avisa, o SIS avisa, mas, para certa gente, o que é relevante é descer a avenida gritando que Portugal não é racista. Recentemente, o Ministério Público acusou 27 pessoas «de discriminação racial, ofensa à integridade física qualificada, tentativa de homicídio e tráfico de armas», gente que pertencia a um grupo que exaltava a superioridade da “raça branca”. Perseguem, insultam, agridem, matam. Serão racistas ou simplesmente não gostarão de pretos e de ciganos?

A medrança destes movimentos deve ser uma preocupação, o alerta acerca da sua existência está lançado, a necessidade de combater aquilo que defendem é uma obrigação cívica de todos quantos não se revejam num país com cidadãos de primeira, de segunda e de terceira. Mais preocupante se torna notar como este tipo de pensamento tem vindo a infiltrar-se no interior de forças nas quais depositamos a confiança da nossa protecção e segurança. Neste sentido, passo a partilhar um post de um militar que, na sua página de Facebook, diz não ser de esquerda, nem de direita nem de centro, mas do que vem de dentro. O que vem de dentro pode ser muita coisa, sangue, cocó, chichi. E pode ser nada, se o dentro estiver vazio. É quando se torna mais perigoso. A declaração de não pertença “ao rebanho” é, de resto, muito comum entre o rebanho de populistas que faz da oposição ao sistema (qual?) uma bandeira de agremiação. Cliquem na imagem para ver melhor:

 

A postura intimidatória do militar seminu não me incomoda particularmente, mas não posso dizer o mesmo do discurso que acompanha a selfie e das declarações de amor manifestadas com likes e comentários diversos. Este camarada dirige-se com texto copiado (de quem? de onde?) a um grupo concreto que nem sequer tem especial relevância por terras lusas, os “meninos antifas”. Parte do princípio peregrino de que o vandalismo exercido sobre os símbolos e monumentos da Nação (maiúsculas do autor do texto) tem origem unívoca e unilateral, certos indivíduos que se servem de tais gestos para combater a disseminação do fascismo no mundo. Ora, o que não falta por aí são exemplos de atentados contra símbolos e monumentos públicos perpetrados por gente aparentemente ligada à extrema-direita ou claques de futebol. A pichagem não é um exclusivo de ninguém em particular.

Deverão o aviso ameaçador e a mensagem agremiadora final ser objecto de alguma denúncia no Ministério Público, tal como foi um cartaz recentemente empunhado durante uma manifestação anti-racista? Por que é que os latidos do caniche na manifestação anti-racista não incomodam tanto quanto as ameaças deste cão de fila nas redes sociais? Há uma razão para que assim seja, Portugal não é racista… à condição. Se for um “antifa” a pichar, prepare-se para ter à perna “o exército português”. Se for um skinhead, não sabemos, talvez acabe como convidado da Tânia Ribas de Oliveira ou do Manuel Luís Goucha num programa da manhã. 

A polarização está ao rubro, o crescimento que se avizinha do desemprego e da miséria vão tornar ainda mais aliciante o discurso exacerbador dos bodes expiatórios. Eu já não penso que a tempestade esteja perfeita, neste momento estou convencido de que chegámos ao olho do furacão.

1 comentário:

Anónimo disse...

SOU CONTRA CERTO TIPO DE PESSOAS.É RACISMO? DIGA-ME DOUTOR BENTO...

TRQ