Decorria o ano de 2001 quando a saudosa Íman Edições
publicou “Inferno”. Autores: Maria Velho da Costa e António Cabrita. Em
prefácio explicava-se que o texto resultara de uma «encomenda que ficou por
cumprir: retratar numa trilogia cinematográfica, que se desdobraria em série
televisiva, o estro, a aventura e o acinte de Camilo Castelo Branco». E que
estro! E que aventura! Uma cronologia apensa aos três episódios dava conta, a
quem desconhecesse, das linhas pelas quais a vida de Camilo foi sendo costurada:
filho de pais incógnitos, ficou ao cuidado de uma tia depois de perder o pai com
apenas 10 anos de idade. Aos 16 anos abrem-se-lhe as portas do amor e foi um
ver se te avias de paixões assolapadas, raptos, fugas, perseguições, cenas de
porrada, enamoramentos, prisões, processos, viuvezes, filhos perdidos, flirts,
escândalos, polémicas, adultérios. Até um filho louco aparece pelo meio. Nos
entretantos, uma vida literária impressionantemente prolixa. Tope-se: só entre
1862 e 1866, em 4 anos de vida, foram 33 títulos, dos quais 18 eram romances.
Do argumento em causa, a certa altura do primeiro episódio:
ANA
Os livros têm sido a tua vida. Desfazeres-te…
CAMILO
A minha vida tem sido o negócio dos livros.
Ainda no primeiro episódio, uma cena na Cadeia da Relação,
onde Camilo esteve preso com o famigerado Zé do Telhado:
Vindas do exterior ouvem-se duas vozes que entoam “Queres
a Roda?”
CAMILO
Alívio. Estava crivado de dívidas. (Pausa) Está a
ouvi-los?
ZÉ TO TELHADO
Os dois cegos? Costumam estar ali.
CAMILO
Ouve as moedas na lata?
ZÉ DO TELHADO
A esta distância?
CAMILO
Eu ouço-as, uma a uma. Sabe porquê?
ZÉ DO TELHADO
Não.
CAMILO
A canção é minha.
ZÉ DO TELHADO
O “Queres a Rosa?”
CAMILO
Cada moeda daquelas é-me tirada do bolso.
ZÉ DO TELHADO
Deixe lá os pobres dos cegos, o que não circula não
rende.
CAMILO
É o único ponto que me consola… ainda que não seja de
exclamação.
Camilo Castelo Branco suicidou-se num dia de 1890. Estava cego.
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