domingo, 29 de novembro de 2020

UM CONTO ESQUIMÓ

 


O MENINO COMILÃO

 
   Um menino vivia com a avó num iglu construído pelo avô. Desde a morte deste, a fome crescia pela casa. Um dia, a anciã tirou o neto do iglu. Não podia continuar a alimentá-lo. Implorou-lhe que encontrasse algo para comer.
   O menino partiu e encontrou um bacalhau que tinha sido largado na praia. Apanhou-o, arrancou-lhe a cabeça e devorou-o de uma só vez. Continuou o passeio e tropeçou num leão-marinho. Atirou-se a ele, arrancou-lhe a cabeça e comeu-o. Mas mesmo assim continuava com fome. Mais adiante, deu com uma morsa de grandes bigodes aquecendo-se ao sol. Antes que a morsa chegasse à água, o menino já lhe tinha arrancado a cabeça e devorou-a sem ressentimentos.
   Por fim, o pequeno glutão avistou uma baleia branca que acabara de ser arpoada por um pescador. Tal como tinha feito com o bacalhau, o leão-marinho e a morsa, arrancou-lhe a cabeça e comeu-a inteira, pele, barba e intestinos incluídos. Sentiu-se então melhor. Pela primeira vez na vida tinha conseguido devorar a sua própria fome. Pôs-se a cantar uma canção que dedicou ao seu estômago. Teve sede e dirigiu-se a um pequeno lago, onde bebeu sofregamente. O lago secou e o menino regressou ao iglu. Porém, tinha engordado tanto que não conseguia entrar pela porta.
  Entra pela janela aconselhou-lhe a avó.
   A janela era mais pequena do que a porta. Contudo conseguiu meter a cabeça, ainda que os ombros ficassem presos.
   Entra pelo respirador aconselhou a anciã. O tubo do respirador era mais estreito do que a janela, mas a cabeça e os ombros do menino passaram, o estômago não.
   Passa pelo buraco da minha agulha rogou a esquimó.
   Levantou a agulha até ao tecto do iglu e o menino passou e caiu no solo. Naquele instante, a anciã deu-se conta de que o neto tinha engordado tanto apenas por haver comido demasiado.
   Não te aproximes da lamparina! disse-lhe com  firmeza.
   Mas o menino, perdendo o equilíbrio, rodopiou até à lamparina. Esta caiu sobre ele e explodiu. A anciã escapara a tempo. Quando o silêncio voltou a reinar, a velha arrastou-se até ao iglu e espreitou pela janela. O menino e a lamparina haviam desparecido. No seu lugar encontravam-se um bacalhau, um leão marinho, uma morsa e uma baleia nadando num pequeno lago azul.
 
In Cuentos Esquimales (Los cuentos del iglú), recogidos por Edward L. Keithahn, adaptación de Louise Weiss, traducción de Silvia Komet, José J. de Olañeta, Editor, 1990, pp. 35-38. Versão de HMBF.

1 comentário:

sonia disse...

Gosto de contos que surpreendem no final. Fica a mensagem para quem tiver olhos de ver .....Abraços do Brasil.