domingo, 31 de janeiro de 2021

UM POEMA DE PAUL CELAN

 


GRÃO-DE-LOBO

...Oh,
Flores da Alemanha, oh, o meu coração torna-se
Um cristal infalível que 
Põe à prova a luz quando a     Alemanha...
(Hölderlin, "Vom Abgrund nämlich...")

...como nas casas dos Judeus (para lembrança
da Jerusalém destruída) sempre alguma coisa
tem de ficar inacabada...
(Jean Paul, "Das Kampaner Thal")

Põe o ferrolho à porta: há
rosas na casa.
sete rosas na casa.
o candelabro de sete braços na casa.
O nosso
filho
sabe isso e dorme.

(Lá longe, em Michailowka, na
Ucrânia, onde
eles me mataram pai e mãe: que
floria aí, que
floresce aí? Que
flor, mãe,
te fazia doer aí
com o seu nome,
mãe, a ti,
que dizias grão-de-lobo, e não
lupino?

Ontem
veio um deles e
matou-te
outra vez no
meu poema.

Mãe,
mãe, que
mão apertei eu
quando com as tuas
palavras fui para
a Alemanha?

Em Aussig, dizias tu sempre, em
Aussig junto
ao Elba,
durante
a fuga.
Mãe, aí moravam
assassinos.

Mãe, eu
escrevi cartas.
Mãe, não veio resposta.
Mãe, veio uma resposta.

Mãe, e
escrevi cartas a —
Mãe, eles escrevem poemas.
Mãe, eles não os escreveriam
se não fosse o poema que
eu escrevi, por
ti, pelo
amor
do teu
Deus.
Bendito, dizias tu, seja
o Eterno, e
louvado, três
vezes 
Amen.

Mãe, eles ficam calados.
Mãe, eles consentem que
a ignomínia me difame.
Mãe, ninguém
cala a boca aos assassinos.

Mãe, eles escrevem poemas.
Oh,
mãe, quanto
chão do mais estranho dá o teu fruto!
Dá esse fruto e alimenta
os que matam!

Mãe, estou
perdido.
Mãe, estamos
perdidos.
Mãe, o meu filho, que
se parece contigo.)

Põe o ferrolho à porta: há
rosas na casa.
sete rosas na casa.
o candelabro de sete braços na casa.
O nosso
filho
sabe isso e dorme.


Paul Celan, in A Morte é Uma Flor, trad. João Barrento, Edições Cotovia, 1998, 2.ª reimpressão, Maio de 2017, pp. 29-35.

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