A casa do merceeiro tem vista ampla sobre a tragédia. Toda a gente por lá passa para saber da explosão que roubou os olhos ao trabalhador rural, do incêndio que fez cair o telhado de um aviário, da mulher que traiu ou foi traída, do pai que zarpou para parte incerta, do imigrante que matou à facada o colega de quarto. Além de fruta, bolachas, mopas e veneno para os ratos, o merceeiro vende tragédias ao preço da chuva. Só transmite o que lhe contam, fiel à pontuação rigorosa com que filtra boatos e intrigas. É uma fonte de informação imprescindível para quem viva na aldeia e não só. Os fiscais das finanças é a ele que recorrem quando pretendem identificar um contribuinte em falta, a polícia não dispensa os seus conhecimentos na demanda de infractores. Por cautela ou cumplicidade, nem sempre fala. Não façam dele um bufo, mesmo que ninguém passe pela mercearia para se aviar apenas de pão e vinho. À entrada, colados aos vidros baços das janelas, os rostos de quem vai a enterrar, avisos à população em geral, anúncios diversos. Quando a tragédia lhe bater à porta, quem sobrará para dar notícia?

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