Fevereiro avança
indiferente aos nossos mortos e moribundos.
A natureza ri-se das dores dos homens
E dá-lhes, por exemplo, esta inoportuna chuva
de fevereiro.
Os dias não esperam que fechem as feridas dos animais.
Ignoram a ética do luto.
Caiu fevereiro sobre os nossos mortos e moribundos.
A chuva assusta as vidraças da janela,
afoga a papoila que se esforça por nascer,
escorre pela campa do meu último morto e
enlameia as patas do próximo.
Há sessenta noites que todos os dias
são regados pela tristeza.
Ensopou o tecido e colou-se aos ossos.
Por vezes, dou por mim a sacudi-los,
no gesto atávico do animal incomodado.
Se houvesse um raio de sol,
deitar-me-ia nele,
encostada às paredes da rua,
com o focinho de encontro ao chão.
Mas não há sol, nem paredes, nem chão.
Só esta chuva triste,
e fevereiro,
e o desrespeito da natureza pelo tempo
que demoram a sarar, as feridas dos animais.
7/Fevereiro/2021
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