Lá fui mais uma vez fazer de figurante. Depois de aprendiz de revolucionário numa tabaqueira, acabei como preso político na Angra do Heroísmo de 1935. Passei o tempo todo de coto nas mãos, a cera a escorrer pelos dedos e eu sem dar por isso de tão concentrado no meu papel. Minto, pensava naquela personagem do Tarkovsky a evitar que a chama se apague enquanto atravessa uma piscina vazia. Passo a passo, dia a dia, uma vida inteira como figurante numa guerra de pólvora seca. Podia ser pior. Podia ser chamado a servir no exército, acabar como Glenn Miller, desaparecido no Canal da Mancha depois de o avião onde seguia se ter despenhado (há quem diga que morreu de ataque cardíaco num bordel parisiense, mas não convinha manchar-lhe a reputação). Foram imensos os músicos de jazz que serviram no exército durante a guerra (Bob Crosby, líder dos Bob-Cats, por exemplo), mas também a maioria acabou por fazer de figurante. Tocavam em bandas para animar as linhas da frente. A cantiga é uma arma. Alguns regressaram com problemas psicológicos, não sendo certo que não os tivessem já quando foram chamados a servir. O que importa é manter a chama acesa, deixar o papel de herói para as estrelas, desconfiar dos cabeças de cartaz.

Sem comentários:
Enviar um comentário