terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

MARCH OF THE BOB CATS (1937)

 


Lá fui mais uma vez fazer de figurante. Depois de aprendiz de revolucionário numa tabaqueira, acabei como preso político na Angra do Heroísmo de 1935. Passei o tempo todo de coto nas mãos, a cera a escorrer pelos dedos e eu sem dar por isso de tão concentrado no meu papel. Minto, pensava naquela personagem do Tarkovsky a evitar que a chama se apague enquanto atravessa uma piscina vazia. Passo a passo, dia a dia, uma vida inteira como figurante numa guerra de pólvora seca. Podia ser pior. Podia ser chamado a servir no exército, acabar como Glenn Miller, desaparecido no Canal da Mancha depois de o avião onde seguia se ter despenhado (há quem diga que morreu de ataque cardíaco num bordel parisiense, mas não convinha manchar-lhe a reputação). Foram imensos os músicos de jazz que serviram no exército durante a guerra (Bob Crosby, líder dos Bob-Cats, por exemplo), mas também a maioria acabou por fazer de figurante. Tocavam em bandas para animar as linhas da frente. A cantiga é uma arma. Alguns regressaram com problemas psicológicos, não sendo certo que não os tivessem já quando foram chamados a servir. O que importa é manter a chama acesa, deixar o papel de herói para as estrelas, desconfiar dos cabeças de cartaz.

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