A arte esteticamente emancipada está com efeito fora de qualquer ideologia. Na verdade, ao nosso nível de consciência, uma arte esteticamente emancipada não pode deixar de ser o silêncio, uma forma qualquer de silêncio, mesmo daquele silêncio que fala. Ora o futurismo falou alto de mais, o futurismo é um movimento obviamente empenhado. Os futuristas italianos foram fascistas; os futuristas russos foram comunistas; os surrealistas franceses foram por vezes comunistas (trotskistas) e por vezes não. Tais adesões políticas são o corolário de um deslizamento em épocas de transição entre o conhecimento a nível estético e a nível ético-social. Muitos dos artistas em causa identificaram com efeito uma certa ideologia com o fim da opressão ideológica a que até então tinham estado sujeitos. Ambiguidade lamentável, como no caso de Marinetti? Incomensurável ingenuidade, como no caso do russo Tretjakov? Com efeito, Tretjakov identificou a ideologia do partido comunista soviético com o fim da opressão ideológica e o engano saiu-lhe caro. Primeiro, porque negara o princípio do cânone 'eterno' da arte, perguntando:
«em que medida é que a arte da nossa revolução é também uma arte revolucionária, isto é, uma arte que modifica incessantemente os seus métodos e processos na execução de novas tarefas?»
Depois, porque negou a validade da continuação de uma arte ideológico-afirmativa, ao dizer:
«O homem que ainda há pouco cantava em versos muito bem medidos a noite estrelada, o perfume das flores, ou a sua melancolia e nostalgia, começa agora a cantar a Revolução: trabalhador/suor, unidade/liberdade.»
Que espantosa lucidez!
Alberto Pimenta, in O Silêncio dos Poetas, Livros Cotovia, 1.ª edição em língua portuguesa, 1978, 2003, pp. 173-174.

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