Heliogábalo pode ser definido como o homem das descargas, os respectivos consumos são loucuras completas que mais não confinam que ao impulso da morte em actividade. Para si o sexo é sinónimo de obra fúnebre, o esperma, líquido mortífero nunca suficientemente distanciado do sangue. A sua chegada a Roma é exibida ao mundo, espectáculo político e jogo com a energia. A procissão que o acompanha transporta consigo um carro de tamanho desmesurado, constituído autenticamente por uma carcaça de baleia na qual se pavoneia um formidável falo de dez toneladas de peso. Trezentos touros puxam o engenho, e para lhes suscitar um maior ardor, são seguidos por uma matilha de hienas em fúria na cabeça do cortejo. Por todo o lado, Turquia, Macedónia, Grécia, Balcãs, Áustria, o falo vai penetrando na Europa antes de ser instalado em pleno centro da capital do Império, mausoléu de um género novo que, ocasionalmente, acaba memso por exceder aquele que estava presente na praça Vermelha. Por todo o comprimento do trajecto, mais não vemos que dançarinas nuas, músicos em números ilimitados e bailarinos castrados que oferecem os respectivos membros à divindade; os sexos encontram-se tanados, exibidos em picos de outro, pendurados em arcos feitos de um metal nobre. Profusão de pedras preciosas, de tecidos ricos e perfumes raros, pois com certeza. Tudo se revela único, excepcional, e correspondendo ao sentido etimológico do termo, podemos definir tudo isto como algo de extraordinário. Durante toda a viagem, o Imperador patenteia bem as suas riquezas: presentes, donativos, alimentos, dinheiro, mulheres. Outros no seu lugar teriam empregue o incenso, o outro e a mirra. O desfile tende a encantar, a cativar e seduzir, é um modo de demonstrar a capacidade de abundância, o desejo de despesa e o limiar de uma era de êxito.
Michel Onfray, in A Escultura do Eu - A moral estética, trad. Nuno Russo, Quarteto, 2003, pp 107-108.
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