(...)
RAPARIGA
Então, não tarda vais para a vida militar?
FILHO
Não, não vou!
RAPARIGA
Mas assim vais para a cadeia!
FILHO
Pois vou, com as janelinhas para o mar.
RAPARIGA
E como é que farás, lá dentro, sem raparigas?
FILHO
Faço como os monges.
RAPARIGA
Sim, mas esses não fazem amor
porque acreditam em Deus: e tu?
FILHO
Porque não acredito em Deus!
RAPARIGA
Mas então todos dirão que és um anarquista,
que faz coisas que não servem para nada!
FILHO
Claro que dirão! E não só
os velhos burgueses, mas também os jovens
revolucionários. São todos de
uma mesma raça: a raça que avalia o que se faz
pela sua utilidade. Se alguém, rindo ou chorando,
num mundo onde não se pode rir
e não se deve chorar, é, para eles, um empecilho,
sabes o que dizem? Dizem assim: Para que serve?
Eu menti: não sou nenhum D. Quixote, amor,
só me pareço um pouco com ele,
e, infelizmente, a minha loucura
não passa de desinteresse.
Mas sei que não é preciso que as acções
de verdadeiro amor ou de verdadeiro ódio sirvam para
alguma coisa,
que não importa que o mundo, onde tu és um empecilho
com o teu ódio excessivo ou o teu excessivo amor,
tenha vencido, por fim, fazendo de ti seu bobo.
A vitória é sempre de quem perde.
A vitória nunca é reconhecida.
A vitória é inútil. Acabou o interrogatório?
RAPARIGA
Sim, cansei-me.
(...)
Pier Paolo Pasolini, in Afabulação, trad. Maria Jorge
Vilar de Figueiredo, Edições Cotovia, 1999, pp. 100-102.
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