terça-feira, 2 de março de 2021

CASA EM CHAMAS

Leio nos jornais que passou um ano desde o aparecimento dos primeiros infectados pelo coronavírus em Portugal. Entretanto, os comentadores e analistas, de todas as classes e géneros, exigem do governo um «plano de desconfinamento», para que «não se repitam os erros do passado». Lembro-me do final de O Sacrifício, de Tarkovski: a famosa cena da casa em chamas. Há um documentário curioso sobre a rodagem do filme chamado Sätta Ljus, de Kerstin Eriksdotter. Nesse documentário, acompanhamos a preparação e as filmagens de várias cenas, e dessa última em especial. Tarkovski e a equipa, que incluía um corpo de bombeiros e outros especialistas em incêndios, planearam tudo até ao mais ínfimo pormenor, mas houve um problema com a câmara. As imagens do rosto de Tarkovski, dominado pelo desespero, são impressionantes. Para ele, o filme só era concebível com aquela cena. O investimento era avultado. Preparam tudo pela segunda vez. A casa ergue-se de novo, no mesmo local. Repete-se o plano, agora sem erros, e, desta vez, a casa arde ainda melhor.


Rui Manuel Amaral, aqui.

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