Se tiveres alguma coisa a dizer, diz. Se não tiveres, cala-te. Tenho tanta coisa a dizer, acreditem. O cérebro fervilha em pensamentos, tantos e tão rápidos que se atropelam uns aos outros, encavalitam-se uns nos outros, e depois quero exprimi-los e já fugiram. Foram-se, desapareceram. A mão não é lenta, o pensamento é que atinge velocidades impossíveis de acompanhar. Migram para lugares longínquos onde não chego. Não alcanço os meus próprios pensamentos, é o que é. Já estou habituado. Há uma colónia de flamingos na Lagoa de Óbidos que me desafia tanto quanto o meu pensamento. Passo por lá várias vezes, ainda hoje passei, para observar as aves, para ver se aprendo com elas a ser elegante. Fogem-me sempre, nunca as vejo, ou vejo-as tão ao de longe que é como se não visse, são apenas silhuetas escoadas no horizonte, os meus pensamentos, os flamingos da Lagoa. Talvez as assuste, devo ter em mim algo tóxico que as repele. Acontece-me o mesmo com as pessoas, tal como me sucede com os meus pensamentos. Os meus pensamentos não gostam de mim, têm medo de mim, escondem-se de mim. Da mesma forma, as pessoas com quem me cruzo vão desaparecendo uma a uma, aos poucos, discretamente, vão-se apagando de mim como a caligrafia a carvão nas páginas dos cadernos escolares da infância. Talvez porque não suporte corações, o queridismo da rede, tudo tão lindo e fofo, maravilhoso, espectacular, brutal, ou simplesmente porque tendo a apaixonar-me por cães. E flamingos. E Wynton Marsalis.
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