quinta-feira, 4 de março de 2021

UM POEMA DE WENCESLAO RODRÍGUEZ

 


Há não muito, remexendo uma pilha de livros numa desorganizada tenda instalada na frenética Feira do Rastro, em Madrid, encontrei um caderno amarelado cheio de poemas e de pequenos contos manuscritos, onde figurava na folha de rosto o título genérico O manual do perdedor, precedido da dedicatória: “A Beatriz, cujo amor jamais me teria feito desprezar a ousadia de estar vivo” e do nome do autor: Lalo Rodríguez, o qual prontamente me pareceu familiar.
   Passados alguns dias, depois de ter lido o manuscrito com verdadeiro interesse, quase devotamente, referi os pormenores da minha descoberta ao memorioso Andrés Trapiello, o qual me assegurou que, havia aproximadamente um par de anos, o nosso amigo comum Alberto Clos nos tinha pedido para negociar com a Hiperión o lançamento deste autor desconhecido.
   Um tanto envergonhado por motivos que não vêm ao caso, telefonei a Clos, e confesso que não me surpreendi quando me revelou que Wenceslao Roxdríguez se tinha suicidado: de certo modo, a imensa maioria dos seus textos preconizava tal destino. Sopesei por instantes a pausa de ressentimento pressentida do outro lado da linha, balbuciei um “vá lá, Alberto” e aclarei a voz para pedir-lhe mais detalhes.
   Agora, contudo, parece-me inoportuno reproduzir aqui o conteúdo da conversa que, graças ao meu amigo, mantive com os pais do autor. Digamos apenas que Wenceslao Rodríguez Teixedor, nascido a 2 de Junho de 1970 num bairro central de Madrid, foi um filho incompreendido e um jovem aventureiro que cedo conheceu o delírio e o inferno das drogas. A morte sorriu-lhe em Sevilha, numa pensão sórdida chamada El Guaraní. Encontraram-no amarrado a uma viga na manhã de 16 de Outubro de 1997. “A sua última poesia — confidenciou-me sua mãe no meio de um ataque de choro não isento de orgulho — foi escrita para mim”. Aurora Teixedor referia-se à palavra que Wenceslao Rodríguez tatuou numa mão pouco antes de morrer: “Perdão”.
 
MISHA
 
Quem por fim consentiu gozar
atada às grades duma cama,
(aquela que, certo dia, amaldiçoou
o seu pudor e, na minha presença, desocupou o seu ventre),
escreveu-me do Japão para dizer que ultimamente
chove por lá como nunca e que não me esqueça de dar lembranças
suas a toda a Espanha.
Post scriptum: Amo aquele céu azul.
Tua Misha.
Desde O Sol Nascente.

 
Nota: Wenceslao Rodríguez é uma personagem de ficção criada por Eliseo González, in Galería de Suicidas, Huerga y Fierro editores, Maio de 2003, pp. 47-57. Versão de HMBF.

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