Há não muito, remexendo uma pilha de livros numa desorganizada tenda instalada na frenética Feira do Rastro, em Madrid, encontrei um caderno amarelado
cheio de poemas e de pequenos contos manuscritos, onde figurava na folha de
rosto o título genérico O manual do perdedor, precedido da dedicatória: “A
Beatriz, cujo amor jamais me teria feito desprezar a ousadia de estar vivo” e do
nome do autor: Lalo Rodríguez, o qual prontamente me pareceu familiar.
Passados alguns dias, depois de ter lido o manuscrito com verdadeiro interesse, quase devotamente, referi os pormenores da minha descoberta ao memorioso Andrés Trapiello, o qual me assegurou que, havia aproximadamente um par de anos, o nosso amigo comum Alberto Clos nos tinha pedido para negociar com a Hiperión o lançamento deste autor desconhecido.
Um tanto envergonhado por motivos que não vêm ao caso, telefonei a Clos, e confesso que não me surpreendi quando me revelou que Wenceslao Roxdríguez se tinha suicidado: de certo modo, a imensa maioria dos seus textos preconizava tal destino. Sopesei por instantes a pausa de ressentimento pressentida do outro lado da linha, balbuciei um “vá lá, Alberto” e aclarei a voz para pedir-lhe mais detalhes.
Agora, contudo, parece-me inoportuno reproduzir aqui o conteúdo da conversa que, graças ao meu amigo, mantive com os pais do autor. Digamos apenas que Wenceslao Rodríguez Teixedor, nascido a 2 de Junho de 1970 num bairro central de Madrid, foi um filho incompreendido e um jovem aventureiro que cedo conheceu o delírio e o inferno das drogas. A morte sorriu-lhe em Sevilha, numa pensão sórdida chamada El Guaraní. Encontraram-no amarrado a uma viga na manhã de 16 de Outubro de 1997. “A sua última poesia — confidenciou-me sua mãe no meio de um ataque de choro não isento de orgulho — foi escrita para mim”. Aurora Teixedor referia-se à palavra que Wenceslao Rodríguez tatuou numa mão pouco antes de morrer: “Perdão”.
MISHA
Quem por fim consentiu gozar
atada às grades duma cama,
(aquela que, certo dia, amaldiçoou
o seu pudor e, na minha presença, desocupou o seu ventre),
escreveu-me do Japão para dizer que ultimamente
chove por lá como nunca e que não me esqueça de dar lembranças
suas a toda a Espanha.
Post scriptum: Amo aquele céu azul.
Tua Misha.
Desde O Sol Nascente.
Nota: Wenceslao Rodríguez é uma personagem de ficção criada por Eliseo González, in Galería de Suicidas, Huerga y Fierro editores, Maio de 2003, pp. 47-57. Versão de HMBF.
Passados alguns dias, depois de ter lido o manuscrito com verdadeiro interesse, quase devotamente, referi os pormenores da minha descoberta ao memorioso Andrés Trapiello, o qual me assegurou que, havia aproximadamente um par de anos, o nosso amigo comum Alberto Clos nos tinha pedido para negociar com a Hiperión o lançamento deste autor desconhecido.
Um tanto envergonhado por motivos que não vêm ao caso, telefonei a Clos, e confesso que não me surpreendi quando me revelou que Wenceslao Roxdríguez se tinha suicidado: de certo modo, a imensa maioria dos seus textos preconizava tal destino. Sopesei por instantes a pausa de ressentimento pressentida do outro lado da linha, balbuciei um “vá lá, Alberto” e aclarei a voz para pedir-lhe mais detalhes.
Agora, contudo, parece-me inoportuno reproduzir aqui o conteúdo da conversa que, graças ao meu amigo, mantive com os pais do autor. Digamos apenas que Wenceslao Rodríguez Teixedor, nascido a 2 de Junho de 1970 num bairro central de Madrid, foi um filho incompreendido e um jovem aventureiro que cedo conheceu o delírio e o inferno das drogas. A morte sorriu-lhe em Sevilha, numa pensão sórdida chamada El Guaraní. Encontraram-no amarrado a uma viga na manhã de 16 de Outubro de 1997. “A sua última poesia — confidenciou-me sua mãe no meio de um ataque de choro não isento de orgulho — foi escrita para mim”. Aurora Teixedor referia-se à palavra que Wenceslao Rodríguez tatuou numa mão pouco antes de morrer: “Perdão”.
MISHA
Quem por fim consentiu gozar
atada às grades duma cama,
(aquela que, certo dia, amaldiçoou
o seu pudor e, na minha presença, desocupou o seu ventre),
escreveu-me do Japão para dizer que ultimamente
chove por lá como nunca e que não me esqueça de dar lembranças
suas a toda a Espanha.
Post scriptum: Amo aquele céu azul.
Tua Misha.
Desde O Sol Nascente.
Nota: Wenceslao Rodríguez é uma personagem de ficção criada por Eliseo González, in Galería de Suicidas, Huerga y Fierro editores, Maio de 2003, pp. 47-57. Versão de HMBF.
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