a primeira morte é muito difícil
depois habituamo-nos
a morrer.
de cada vez os começos, a fronte escura,
levantar, cair novamente nos teus braços, os
meus braços.
a queda de hoje, como a dos impérios, só
pode ser explicada muito mais tarde, por
quem nos compreende muito melhor
do que nós próprios.
a imagem sobre o ecrã
da televisão desligada. um reflexo ou
o fantasma de quem não sobreviveu
a outra dor de estômago e encena
diálogos com corpos de morder, bocas
súbitas, apanhadas desprevenidas
pelo clarão dos flashes que tornaram tudo
definitivo. a fotografia e o corpo vazios,
contidos um dentro do outro, sem narrativa.
escrevo os sonhos, por já não poder confiar
na minha memória, mas tornaram-se
cada vez mais raros. invento-os
para poder continuar a escrever.
morro e escrevo, cada vez mais
uma actividade dependente da outra,
da mão para a boca, a água
transportada aos lábios.
Tiago Araújo, in Livre Arbítrio, Averno, Março de 2009, pp. 8-9.
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