A TARTARUGA DE BOB WILSON
não tenhas pressa
não tenhas pressa
a eternidade pode esperar
repara
a tragédia do homem sobre a terra desde sempre
guardada a sete chaves junto ao mistério do tempo
para onde vai o tempo?
a tartaruga de bob wilson atravessando o palco
em longos trinta e dois minutos de lenta lentidão
que lhe interessa o tempo
sequer para onde vai na sua solidão?
escrever escrever pois sim
mas saber realmente o que dizer não interessa
interessa ser a tartaruga sem o saber
interessa o poema enquanto acontecer
ao poema não interessa o tempo
nem para onde o tempo vai
ou mesmo se vai a tempo de o ser
interessa ser a tartaruga
e reservar quando muito alguns instantes
para a meio da cena parar e apenas
perguntar perguntar perguntar
interessa saber que as ondas se repetem
que só o mar não se extingue no seu eterno desenhar
um dia sabe a tua mão será tão longe
tão longe que não mais te pertencerá
um dia a tua mão será uma nuvem
reflectida na superfície dos versos
e já não haverá perguntas a fazer
limitar-te-ás a ser tartaruga atravessando o palco
e ninguém se afastará ao teu passar
ninguém irá parar para te lembrar
tu tartaruga de bob wilson
alheia ao teu próprio atravessar de cena
como quem se retira para um não lugar.
Pedro Teixeira Neves, in A Tartaruga de Bob Wilson, Glaciar, Dezembro de 2018, pp. 14-15.
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