quarta-feira, 24 de novembro de 2021

TODOS OS DIAS... (1994)

 


Entre leituras dos pseudónimos literários arquitectados por António Quadros, o pintor, fui enviado para “Todos os Dias…” (1994), um disco de Amélia Muge com direcção artística de José Mário Branco. São cinco os poemas de João Pedro Grabato Dias que aparecem musicados nesse disco: “O Mal Lavado”, “Leões e Mais”, “Estar Vivo é Estar à Morte”, “Passarinho da Charneca”, “A Viúva do Enforcado”. Qualquer um deles assentaria bem nos Panfletos que Pedro Tadeu mantém na Antena 1. Eis uma das poucas razões que ainda tenho para ouvir rádio. A ideia, diz o autor, passa por tratar da «relação íntima, ao longo dos tempos, da arte musical com a vida e a luta dos povos.» Cada programa é um momento cada vez mais raro de reflexão livre e aprendizagem efectiva sobre a relação estreita da criação artística com a luta por direitos fundamentais. António Quadros, o pintor, foi um criador imenso que rivalizou com Camões no poema anti-épico “As Quybyrycas” e com Pessoa no modo como engendrou heterónimos para dar à estampa uma obra poética de excelência enterrada e esquecida, talvez, por não ser conveniente aos doutos das letras lusas. Ora, mais do que nunca convém trasladar essa obra do ignominioso silêncio em que a confinaram para o merecido lugar de destaque na literatura escrita em língua portuguesa. Normalmente é assim, aquilo que é bom porque desafiante encontra sempre mãos invisíveis que empurram para baixo, escondem, atiram para trás das costas na esperança de que ninguém dê pelo gesto. Isto obriga a uma atenção redobrada, obriga a que nos empenhemos na defesa do que verdadeiramente importa por se opor à lógica publicitária e espectacular e vazia e efémera a que nos querem restringir. «Estar vivo é estar à morte / Cativo de um Plim! da sorte», canta Amélia Muge. Outra hipótese seria os “Cantares do Andarilho”, de José Afonso, também sobre palavras de João Pedro Grabato Dias: «Já fiz recados às bruxas / Do Caselho à Portelada / Dei-lhes a minha inocência / Elas não me deram nada.» Portanto, é bom que demos um pouco a quem nos dá tanto. Estas palavras, em forma de agradecimento, vão para o autor dos Panfletos, na Antena 1, que tanto me tem dado com as histórias que nos conta.

Sem comentários: