quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

QUEIMAR TUDO

 
Queimar tudo, o passado inteiro
ou quase, ficar talvez apenas
com o dia anterior ao primeiro
e recomeçar, sem contrições
nem penas, recomeçar do fogo
ou renascer das cinzas, refundando
fala e escrita e respiração, tentar
de novo sem nada de velho,
sem corpo, sem alma, sem vida
ou esta morte plantada nas palmas
das mãos como um caroço, ver
para lá do visto, aquém do quisto
em que se transforma o presente
quando é já tudo tão somente
ausência e pó e marasmo, corpo
lasso, semente de apatia, vontade
frouxa, começar de novo, sem
nome nem identidade, sem sangue
crestado de velhas feridas, pele
nova, não necessariamente limpa
Que bom seria, que consolo, que paz
 
Juraan Vink, dos "Diários".