terça-feira, 25 de janeiro de 2022

ESQUISSOS

 

Entre o que não se vê, mas está lá, destacamos os esquissos de Sara Miro, responsável pelos figurinos de “Na Cama com Ofélia”. Muito invisível se esconde no visível. Bernardo Soares referia-se ao calor, no “Livro do desassossego”, «como uma roupa invisível, dá vontade de o tirar». No cartaz de José Serrão, Ofélia surge despida porque é assim que ela aparece, verdadeiramente, em cena. Se por acaso assomar com algum trapo sobre o corpo é para que se torne ainda mais evidente a vontade de tirar. No que diz está completamente nua, porque o que diz revela aquilo que não se vê. Vem de dentro, de um lugar indefinível, vem do pensamento — quem o vê? —, vem desse lugar a que chamamos coração mas não é órgão, é já outra coisa, vem das vísceras, que ela a certa altura confunde com a alma. Porque a alma não se vê, é o esquisso por detrás das vísceras. Talvez “Na Cama com Ofélia” seja a anatomia de um sonho, vontade que jaz numa promessa por cumprir. Falamos de vontade como podíamos falar de desejo, aquela força que se esconde nas acções como um motor. O público que decida se o que ela faz é sonho projectado ou acção concreta e qual a diferença entre uma coisa e a outra. Para nós, o que importa sublinhar é «que tudo isto é cómico, e que a parte mais cómica disto tudo sou eu.» Eu, quem? A resposta a esta e outras perguntas, a partir do dia 17 de Fevereiro no Teatro da Rainha.


Sem comentários: