1.
Fizeram-me chegar um vídeo. Um grupo de
soldados exibe o cadáver estropiado de um outro soldado. Os que estão vivos
parecem orgulhosos. O que está morto parece em paz.
2.
Nietzsche declarou a morte de Deus para
que pudéssemos descobrir que somos a pior das nossas criações.
3.
Todos os dias caem bombas. Umas mais
próximas, outras mais distantes. A diferença é darmos ou não por elas. Não só
de ouvi-las, mas também desta prática esgotante de as exibir e longe delas
teorizá-las. Isto de a toda a hora a morte, a esgrima teórica, o espectáculo da
destruição, as piadas, as piadas, l'esprit de géométrie, o esprit de finesse.
Como será nascer e crescer em Gaza? Já estarão habituados à nossa indolência?
Também o que hoje nos afecta em breve se esgotará, para passar a fazer parte de
um dia a dia que não suporta tanta excitação com a morte dos outros e o
sofrimento alheio. Que só em parte é nosso.
4.
O princípio da causalidade não se aplica
nas guerras, dizem agora. Na guerra só há efeitos. É isto a guerra: ausência de
princípios. Os efeitos não são produzidos por causas, as causas não geram
efeitos, tudo se reduz ao evento isolado. Talvez o mundo tenha começado assim,
um evento isolado, e talvez a guerra seja a nostalgia humana dos eventos isolados,
saudade da criação do mundo. O homem a querer ser Deus, a brincar aos deuses
com a vida dos homens.
5.
Chega-se depois ao ponto em que não é
possível negociar. O diálogo torna-se impossível. O ressentimento tomará conta
das populações. Assistiremos a uma longa caminhada de passos para a paz. Pelo
caminho, nas bermas da História, vidas humanas ceifadas. Só os filhos lembrarão
os pais mortos, só os pais chorarão os filhos perdidos. No dia da nação, coroas
de flores e hinos aos mártires. Sob a bostela formada nas feridas, o pus do
ódio.
6.
E depois? Feridas, ódios, rancor,
destruição, ruínas, famílias desfeitas, mortos, traumas, mutilações. Em nome de
quê? Em benefício de quem?
7.
É um dos grandes ensinamentos da
História: a humanidade aprende muito pouco com a História.
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