sábado, 26 de fevereiro de 2022

HUMANISMO

1. 
Fizeram-me chegar um vídeo. Um grupo de soldados exibe o cadáver estropiado de um outro soldado. Os que estão vivos parecem orgulhosos. O que está morto parece em paz.

2. 
Nietzsche declarou a morte de Deus para que pudéssemos descobrir que somos a pior das nossas criações.
 
3.
Todos os dias caem bombas. Umas mais próximas, outras mais distantes. A diferença é darmos ou não por elas. Não só de ouvi-las, mas também desta prática esgotante de as exibir e longe delas teorizá-las. Isto de a toda a hora a morte, a esgrima teórica, o espectáculo da destruição, as piadas, as piadas, l'esprit de géométrie, o esprit de finesse. Como será nascer e crescer em Gaza? Já estarão habituados à nossa indolência? Também o que hoje nos afecta em breve se esgotará, para passar a fazer parte de um dia a dia que não suporta tanta excitação com a morte dos outros e o sofrimento alheio. Que só em parte é nosso.

4. 
O princípio da causalidade não se aplica nas guerras, dizem agora. Na guerra só há efeitos. É isto a guerra: ausência de princípios. Os efeitos não são produzidos por causas, as causas não geram efeitos, tudo se reduz ao evento isolado. Talvez o mundo tenha começado assim, um evento isolado, e talvez a guerra seja a nostalgia humana dos eventos isolados, saudade da criação do mundo. O homem a querer ser Deus, a brincar aos deuses com a vida dos homens.

5. 
Chega-se depois ao ponto em que não é possível negociar. O diálogo torna-se impossível. O ressentimento tomará conta das populações. Assistiremos a uma longa caminhada de passos para a paz. Pelo caminho, nas bermas da História, vidas humanas ceifadas. Só os filhos lembrarão os pais mortos, só os pais chorarão os filhos perdidos. No dia da nação, coroas de flores e hinos aos mártires. Sob a bostela formada nas feridas, o pus do ódio.

6. 
E depois? Feridas, ódios, rancor, destruição, ruínas, famílias desfeitas, mortos, traumas, mutilações. Em nome de quê? Em benefício de quem?

7. 
É um dos grandes ensinamentos da História: a humanidade aprende muito pouco com a História.

Sem comentários: