No paraíso terrestre, no luminoso dia em que as flores foram criadas, antes que Eva fosse tentada pela serpente, o maligno espírito aproximou-se da mais bela rosa, no momento em que esta estendia, à carícia do celeste sol, a encarnada virgindade dos seus lábios.
— És bela.
— Sou — disse a rosa.
— Bela e feliz — prosseguiu o diabo. — Tens a cor, a graça e o aroma. Mas...
— Mas?
— Não és útil. Não vês estas vastas árvores carregadas de bolotas? Além de frondosas, dão alimento a multidões de seres animados, que se detêm sob os seus ramos. Rosa, ser bela é pouco...
A rosa — tentada, como seria depois a mulher — desejou então a utilidade, de tal modo que houve palidez na sua púrpura.
Passou o bom Deus, depois do romper da aurora.
— Pai — disse aquela princesa floral, agitando-se na sua perfumada beleza — quereis fazer-me útil?
— Seja, minha filha — respondeu o Senhor, sorrindo.
E o mundo viu então a primeira couve.
1893
Rubén Darío, in Curiosidades Literárias e Outros Contos, selecção, versões e notas de Rui Manuel Amaral, prefácio de André Fiorussi, Exclamação, Maio de 2018, pp. 73-74.
1 comentário:
"a primeira coube". A quem?
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