De acordo com dados
do próprio Twitter, a tamanho mais comum dos tweets passou de
34 caracteres em agosto de 2017 para 33 caracteres em
agosto… (2018)
Quando cheguei à universidade, em 1992, apanhei com uma
cadeira chamada Hermenêutica do Texto Filosófico. Foi uma chapada nas trombas. Mas
que raio há-de ser isto, questionava-me. Era um jovem de 17 anos e desconhecia
o significado da palavra hermenêutica. Acabou por ser das minhas cadeiras
preferidas, embora reconheça hoje que vivemos tempos em que a hermenêutica, mais
ainda a do texto filosófico, que ninguém lê, se tornou numa ferramenta completamente
obsoleta.
Aderi recentemente ao Twitter, para tentar perceber o fenómeno de popularidade que aquilo é, onde políticos e comentadores e todo o tipo de gente que damos como credível se mistura com uma horda de alarves perorando sobre a actualidade. Foi um murro no estômago. Ando sempre a levar porrada. A primeira constatação foi a de que ali o discurso está limitado a um número exíguo de caracteres, o que obriga a um extraordinário exercício de redução da expressão do pensamento. Queixamo-nos das análises cada vez mais curtas na imprensa escrita, do tom superficial das notícias, da ausência de profundidade na exposição dos assuntos, mas ali aceitamos como regra básica de comunicação o espartilho do número de caracteres. O resultado já está à vista de todos, uma cada vez menor disponibilidade para o debate reflectido, uma tendência crescente para o slogan, para a frase feita, para o soundbite.
Aderi recentemente ao Twitter, para tentar perceber o fenómeno de popularidade que aquilo é, onde políticos e comentadores e todo o tipo de gente que damos como credível se mistura com uma horda de alarves perorando sobre a actualidade. Foi um murro no estômago. Ando sempre a levar porrada. A primeira constatação foi a de que ali o discurso está limitado a um número exíguo de caracteres, o que obriga a um extraordinário exercício de redução da expressão do pensamento. Queixamo-nos das análises cada vez mais curtas na imprensa escrita, do tom superficial das notícias, da ausência de profundidade na exposição dos assuntos, mas ali aceitamos como regra básica de comunicação o espartilho do número de caracteres. O resultado já está à vista de todos, uma cada vez menor disponibilidade para o debate reflectido, uma tendência crescente para o slogan, para a frase feita, para o soundbite.
Não podemos ignorar que, num mundo assim,
quanto mais publicitário for o discurso, mais eficaz se tornará diante de quem
o ouve e de quem o propaga. Que hoje é toda a gente. A imprensa dita séria, coisa que já
só residualmente existe, acaba também por ser vítima dos efeitos desta
realidade. Em 2020, Clara de Sousa exibia em pleno Jornal das 8 uma capa falsa do New York Times colocada a circular na internet com propósitos evidentes. Isto foi no canal que tem um
programa chamado Polígrafo. Recentemente, voltámos a ouvir falar da economia
soviética afectada pelo conflito na Ucrânia. José Gomes Ferreira, comentador da
SIC, referiu-se aos danos para a economia soviética de Putin, na CNN a legenda
de rodapé não engana:
Dir-me-ão que são lapsos, eu prefiro falar de
incompetência. Demasiado tempo nas redes sociais, pouco tempo dedicado à
análise pausada e serena dos acontecimentos. Emoção a mais, razão a menos. E a
urgência da notícia a ditar parangonas. As consequências são desastrosas.
Proponho um exercício. Peguemos num comunicado de um partido e comparemos o que
aí se diz com a reflexão de um filósofo que nada tem que ver com esse partido.
O comunicado data de 24 de Fevereiro de 2022 e intitula-se: «O PCP apela à
promoção de iniciativas de diálogo e à paz na Europa». Podia ser um slogan que
serviria a qualquer um, substituindo PCP por qualquer outro sujeito. Alguém
discorda? O que haverá, então, no comunicado desse partido que leva a
comunicação social a dizer que o PCP está ao lado de Putin e da Rússia, contra
a Ucrânia, nos recentes acontecimentos? O terceiro parágrafo desse comunicado,
que isolado fica assim:
O PCP salienta que o agravamento da situação é
indissociável da perigosa estratégia de tensão e confrontação promovida pelos
EUA, a NATO e a UE contra a Rússia, que passa pelo contínuo alargamento da NATO
e o reforço do seu dispositivo militar ofensivo junto às fronteiras daquele
país, e em que insere a instrumentalização da Ucrânia, desde o golpe de estado
de 2014, com o recurso a grupos fascistas, e que levou à imposição de um regime
xenófobo e belicista, cuja violenta acção é responsável pelo agravamento de
fracturas e divisões naquele país.
Vejamos agora qual a posição do filósofo Viriato Soromenho-Marques sobre o mesmo assunto, num artigo publicado no Diário de Notícias com o título Derrota Mútua Assegurada:
Apesar das promessas de que a reunificação da Alemanha
não implicaria o alargamento para leste da NATO, a verdade é que esta se
efectuou em duas fases principais (1999 e 2004), integrando uma dezena de
aliados do ex-Pacto de Varsóvia, e mesmo ex-repúblicas soviéticas, como foi o
caso dos Estados bálticos. Como brilhantemente percebeu José Medeiros Ferreira
(ver seu artigo de 20-02-2007 no DN), num "discurso histórico" numa
conferência de segurança em Munique (10-02-2007), Putin interrompeu 15 anos de
"hibernação" russa: os interesses e a segurança da Rússia não
poderiam continuar a ser ignorados nas decisões dos EUA e aliados. Contudo, em
2008, a Geórgia e a Ucrânia foram convidadas a aderir à NATO. A breve guerra
desse ano na Geórgia, e a anexação da Crimeia em 2014, mostraram que Putin
tinha falado a sério em 2007: a Rússia traçou uma linha vermelha à expansão de
uma aliança militar, que considerava fazer perigar a sua segurança nacional. O
desastrado ativismo bélico da NATO e dos EUA nos últimos 20 anos, num
proselitismo democrático coberto de sangue e ruínas, no Afeganistão, Iraque ou
Líbia, ajudou a consolidar as reservas de Moscovo.
Querem descobrir as diferenças entre a tese exposta no
comunicado do partido e a tese desenvolvida no artigo do filósofo? Poderão
também ouvir as análises do General Agostinho Costa (aqui) e do Major General
Raul Cunha (ali) para tentar perceber as diferenças entre o que o PCP tem
defendido e o que essas pessoas dizem. Porquê, então, o discurso de ódio contra
o PCP? O que estará mal na comunicação do PCP? Já percebemos que alguma coisa
está mal, pois televisões como a SIC vão insistindo numa narrativa que deturpa
factos e alimenta ódios:
Vejamos agora qual a posição do filósofo Viriato Soromenho-Marques sobre o mesmo assunto, num artigo publicado no Diário de Notícias com o título Derrota Mútua Assegurada:
Está mal, há que reconhecê-lo, um partido centenário como
o PCP não ter adoptado os métodos de comunicação de um partido populista como o
Chega. De resto, a simpatia que este partido merece nos órgãos de comunicação
em geral, oferecendo-lhe um tempo de antena absolutamente desequilibrado
relativamente ao que oferecem a outros partidos (ver aqui), prova isso mesmo à exaustão.
Que comunicação é essa com resultados tão eficazes? É a comunicação
publicitária, frases feitas e chavões espalhados aos berros, análises
simplistas e perigosamente simplificadoras da realidade, é o slogan mais ou
menos humorístico e a frase dúbia, para o caso de cair mal no goto e se auto-justificar
enquanto piada. Voltando ao comunicado, podíamos destacar dos cinco parágrafos
o seguinte:
«[O PCP] apela à urgente desescalada do conflito, à
instauração de um cessar-fogo e à abertura de uma via negocial»
«O PCP reafirma a premente necessidade de iniciativas que
contribuam para um processo de diálogo com vista a uma solução política para o
conflito na Ucrânia, à resposta aos problemas de segurança colectiva na Europa,
ao cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Acta Final da Conferência de
Helsínquia – princípios que o PCP defendeu quando estavam em causa as guerras
contra a Jugoslávia, o Iraque, o Afeganistão, a Líbia ou a Síria, e que
continua em coerência a defender hoje com a mesma convicção.»
«O PCP sublinha que a Rússia é um país capitalista, cujo
posicionamento é determinado, no essencial, pelos interesses das suas elites e
detentores dos seus grupos económicos, com uma concepção de classe oposta à do
PCP.»
«A solução não é a guerra, é a paz e a cooperação.»
Se isto é estar ao lado da Rússia Unida de Vladimir
Putin, se isto é defender a invasão da Ucrânia, se isto é defender a posição de Putin, então eu não sei o que possa
ser eficaz. Tatuarmos na testa “Glória à Ucrânia”? A tese do pôs-se a jeito,
inadmissível como justificação para a invasão da Ucrânia, é válida como
explicação para o ódio ao PCP. Acho que foi Umberto Eco quem disse que "a
internet deu voz a uma legião de imbecis”.
1 comentário:
Olá fica aqui um pequeno conto de Monterroso pois sem saber muito bem porquê lembrei-me dele:
Un día el Mal se encontró frente a frente con el Bien y estuvo a punto de tragárselo para acabar de una buena vez con aquella disputa ridícula; pero al verlo tan chico el Mal pensó:
"Esto no puede ser más que una emboscada; pues si yo ahora me trago al Bien, que se ve tan débil, la gente va a pensar que hice mal, y yo me encogeré tanto de vergüenza que el Bien no desperdiciará la oportunidad y me tragará a mí, con la diferencia de que entonces la gente pensará que él sí hizo bien, pues es difícil sacarla de sus moldes mentales consistentes en que lo que hace el Mal está mal y lo que hace el Bien está bien."
Y así el Bien se salvó una vez más.
Abraços!
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