Não é possível discutir a guerra na Ucrânia
sem estar sujeito a tresleituras e deturpações. É aquele tema que só admite uma
de duas posições: a glorificação de Volodymyr Zelensky ou a diabolização de
Vladimir Putin. Eu, que não acredito no diabo, nem sou de glorificar
indivíduos, estou à partida feito ao bife.
A impossibilidade do debate manifesta-se, desde logo, na reiterada sentença, como se de axioma se tratasse: "não há mas". As pessoas que assim pensam, sem “mas”, lembram-me os invasores do Capitólio dos Estados Unidos, cheios de certezas que só eles sabem em que se fundamentam. A minha cabeça é toda ela “mas”, excepto no que toca a condenar veementemente todas as formas de humilhação e de opressão (entre as quais incluo, obviamente, o pensamento único impingido pelas pessoas absolutamente certas de tudo).
Quanto ao conflito na Ucrânia, o que o cidadão comum sabe é muito pouco. É assim com a maioria dos problemas complexos que o cidadão comum, cuja principal característica é julgar-se especialista em todos os assuntos do momento, comenta avidamente baseando-se no que vai vendo e ouvindo nas televisões e na Internet. Jornais, como sabemos, poucos lêem. Livros, ‘tá quieto. A história abreviada da Rússia do Milhazes está agora no top de vendas, tal como outrora esteve a autobiografia da Malala. São fenómenos de interesse momentâneo. Mas quem, de entre nós, leu antes deste conflito uma história da Rússia a sério? E livros sobre a Ucrânia, quem leu? Eu confesso a minha ignorância. Além da literatura, poetas, romancistas e dramaturgos, li a "História da Rússia" de Gregory L. Freeze (Edições 70), um livro que passei a vida a devolver ao fornecedor quando trabalhava na Bertrand. Talvez agora esgotem o stock.
O pouco que sei sobre este conflito, portanto, resume-se a ideias muito simples:
- este conflito é anterior ao
dia 24 de Fevereiro de 2022 (um dia destes, quando o Bob Geldof organizar mais
um Live Aid, vai toda a gente acordar para o Iémen, que está em guerra há tanto
tempo quanto a Ucrânia com consequências bem mais devastadoras);
- foram os canhões russos que invadiram o território da Ucrânia e não o contrário, pelo que as opções da Federação Russa neste conflito devem merecer todo o nosso repúdio;
- antes dos canhões russos invadirem a Ucrânia, havia conflitos internos entre nacionalistas ucranianos e ucranianos pró-russos (uma espécie de guerra civil já muito antiga com episódios verdadeiramente sinistros);
- o ultranacionalismo ucraniano ganhou bastante poder desde a chamada Euromaidan (mesmo que não se reflicta em votos, reflecte-se em decisões como a perseguição de comunistas e a proibição do comunismo, episódios de tortura na praça pública e assassinatos diversos);
- sobre o ultranacionalismo ucraniano e a sua influência na extrema-direita internacional foram publicados, entre outros, excelentes artigos na imprensa: "Azov fighters are Ukraine’s greatest weapon and may be its greatest threat" (The Guardian, 2014); "Ukraine’s National Militia: ‘We’re not neo-Nazis, we just want to make our country better’" (The Guardian, 2018); "Neo-Nazi groups recruit Britons to fight in Ukraine" (The Guardian, 2018); "Ucrânia, o campo de treino militar para a extrema-direita mundial" (Público, 2020)...
- a Federação Russa é governada por um ditador a quem todos apertaram a mão quando convinha e foram vendendo armas quando deu jeito (vejam no YouTube as entrevistas de Oliver Stone a Vladimir Putin, que valem bem a pena para, pelo menos, ficarmos com uma noção do quanto nos ultrapassa neste conflito que vem sendo alimentado nos subterrâneos da mais sórdida política);
- parte da Ucrânia está a ser destruída, com consequências humanitárias desastrosas, pelo que o povo ucraniano deve merecer toda a nossa solidariedade;
- que a disponibilidade que temos para ajudar refugiados ucranianos não seja a mesma que temos para ajudar outros refugiados, deve fazer-nos reflectir sobre os fundamentos da nossa caridade/bondade;
- a comunicação social há muito deixou de ser uma força independente ao serviço da informação para se transformar num instrumento do poder na manipulação da opinião pública (o modo como este conflito em particular tem sido abordado desde 24 de Fevereiro deverá ser objecto de estudo no futuro, sendo o lado mais preocupante de tudo isto a facilidade com que regimes democráticos embarcaram em práticas de censura inadmissíveis, típicas do que se passa, em matéria de manipulação, em países como a Federação Russa ou a China);
- o palco que essa mesma comunicação social vem dando à extrema-direita, embarcando numa ideia pífia de que a guerra na Ucrânia é uma guerra de resistência a uma invasão comunista, é de uma perigosidade que terá consequências por toda a Europa no futuro. Já as tem nos EUA, vai tê-las também por cá.
Como se resolve o problema na Ucrânia? Não
faço a mínima ideia. Só sei o que desejo: armistício, retirada das tropas
russas, acordos por escrito que garantam a independência da Ucrânia,
destituição de Putin internamente, aproximação da UE à Federação Russa com
acordos comerciais vantajosos para ambas as partes. É um mundo de sonho?
Talvez. Joe Biden e Xi Jinping que o digam.
A impossibilidade do debate manifesta-se, desde logo, na reiterada sentença, como se de axioma se tratasse: "não há mas". As pessoas que assim pensam, sem “mas”, lembram-me os invasores do Capitólio dos Estados Unidos, cheios de certezas que só eles sabem em que se fundamentam. A minha cabeça é toda ela “mas”, excepto no que toca a condenar veementemente todas as formas de humilhação e de opressão (entre as quais incluo, obviamente, o pensamento único impingido pelas pessoas absolutamente certas de tudo).
Quanto ao conflito na Ucrânia, o que o cidadão comum sabe é muito pouco. É assim com a maioria dos problemas complexos que o cidadão comum, cuja principal característica é julgar-se especialista em todos os assuntos do momento, comenta avidamente baseando-se no que vai vendo e ouvindo nas televisões e na Internet. Jornais, como sabemos, poucos lêem. Livros, ‘tá quieto. A história abreviada da Rússia do Milhazes está agora no top de vendas, tal como outrora esteve a autobiografia da Malala. São fenómenos de interesse momentâneo. Mas quem, de entre nós, leu antes deste conflito uma história da Rússia a sério? E livros sobre a Ucrânia, quem leu? Eu confesso a minha ignorância. Além da literatura, poetas, romancistas e dramaturgos, li a "História da Rússia" de Gregory L. Freeze (Edições 70), um livro que passei a vida a devolver ao fornecedor quando trabalhava na Bertrand. Talvez agora esgotem o stock.
O pouco que sei sobre este conflito, portanto, resume-se a ideias muito simples:
- foram os canhões russos que invadiram o território da Ucrânia e não o contrário, pelo que as opções da Federação Russa neste conflito devem merecer todo o nosso repúdio;
- antes dos canhões russos invadirem a Ucrânia, havia conflitos internos entre nacionalistas ucranianos e ucranianos pró-russos (uma espécie de guerra civil já muito antiga com episódios verdadeiramente sinistros);
- o ultranacionalismo ucraniano ganhou bastante poder desde a chamada Euromaidan (mesmo que não se reflicta em votos, reflecte-se em decisões como a perseguição de comunistas e a proibição do comunismo, episódios de tortura na praça pública e assassinatos diversos);
- sobre o ultranacionalismo ucraniano e a sua influência na extrema-direita internacional foram publicados, entre outros, excelentes artigos na imprensa: "Azov fighters are Ukraine’s greatest weapon and may be its greatest threat" (The Guardian, 2014); "Ukraine’s National Militia: ‘We’re not neo-Nazis, we just want to make our country better’" (The Guardian, 2018); "Neo-Nazi groups recruit Britons to fight in Ukraine" (The Guardian, 2018); "Ucrânia, o campo de treino militar para a extrema-direita mundial" (Público, 2020)...
- a Federação Russa é governada por um ditador a quem todos apertaram a mão quando convinha e foram vendendo armas quando deu jeito (vejam no YouTube as entrevistas de Oliver Stone a Vladimir Putin, que valem bem a pena para, pelo menos, ficarmos com uma noção do quanto nos ultrapassa neste conflito que vem sendo alimentado nos subterrâneos da mais sórdida política);
- parte da Ucrânia está a ser destruída, com consequências humanitárias desastrosas, pelo que o povo ucraniano deve merecer toda a nossa solidariedade;
- que a disponibilidade que temos para ajudar refugiados ucranianos não seja a mesma que temos para ajudar outros refugiados, deve fazer-nos reflectir sobre os fundamentos da nossa caridade/bondade;
- a comunicação social há muito deixou de ser uma força independente ao serviço da informação para se transformar num instrumento do poder na manipulação da opinião pública (o modo como este conflito em particular tem sido abordado desde 24 de Fevereiro deverá ser objecto de estudo no futuro, sendo o lado mais preocupante de tudo isto a facilidade com que regimes democráticos embarcaram em práticas de censura inadmissíveis, típicas do que se passa, em matéria de manipulação, em países como a Federação Russa ou a China);
- o palco que essa mesma comunicação social vem dando à extrema-direita, embarcando numa ideia pífia de que a guerra na Ucrânia é uma guerra de resistência a uma invasão comunista, é de uma perigosidade que terá consequências por toda a Europa no futuro. Já as tem nos EUA, vai tê-las também por cá.
1 comentário:
Destituição do Putin? Mas tu não és russo nem vives na Russia, verdade?. Na marquise da peninsula de Ibérica não há sufiente "merda" para limpar?
Não é uma provocação, são interrogações à megalómania da globalização onde nos querem meter.
Abraço.
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