Meneia o monstro a cauda, sedutor.
Seu rosto podia até estar em flor.
Meneia o monstro a cauda como um gato.
Seus olhos suplicam: quer regaço.
O monstro é bom, o monstro realiza
que em família é outra coisa a vida!
Que é da ferocidade anunciada?
Que é do salto? Que é da garra disparada?
O monstro já me pede para ir à escola,
«como os outros meninos». Esta agora!
O monstro vai à escola, apanha boas notas
e volta, alvoroçado, nas suas oito botas.
O monstro aculturado já se deixa montar,
mas ainda não moro naquele seu olhar.
Naquele seu olhar, que é tão meigo, eu já via
algo assim como uma vaga nostalgia.
Que deseja o monstro que não possa ter,
o monstro que eu mostro a quem o quiser ver?
O monstro protesta sua eterna amizade,
diz-se muito feliz, «se é que há felicidade!».
Mas a mim não me engana. Dou com ele a chorar.
«Quem tens tu, ó, Castorim, que não queres confessar?».
«A bem dizer, padrinho, eu não tenho nada.
Sei agora que sou uma besta humanizada.
Mas que hei-de fazer com este meu aspecto?
Como hei-de viver com este mau aspecto?
Ó meu bom padrinho, eu só queria voltar
ao pedregal donde me foi tirar!».
Abraçados, chorámos, e eu, complacente,
deixo o monstro ir embora — e para sempre!
Vossa boa atenção não quero fatigar.
Com a moral costumeira vou aqui terminar.
Nunca façam de um monstro a vossa criação,
que tarde ou cedo vai dar complicação.
In A Capital, 16 Novembro 1973.
Alexandre O'Neill, Coração Acordeão, edição de Vasco Rosa, O Independente e Assírio & Alvim, Lisboa, 2004, pp. 36-37.
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