Um capitão prestes a enlouquecer é destacado para executar um coronel descompensado. A missão ao longo do rio Nung tem por cenário a guerra do Vietname (1955-1975), mas os argumentistas de “Apocalypse Now” (1979) basearam-se em “O Coração das Trevas” (1899) de Joseph Conrad (1857-1924). De seu verdadeiro nome Jósef Teodor Conrad Korzeniowski, nascido em Berdiczów, cidade ucraniana da província de Zhytomyr, recentemente fustigada pelos mísseis russos, Conrad era de origem polaca e tornou-se marinheiro em França. Foi já no ano de 1890 que embarcou no continente africano, surgindo aí o “Diário do Congo” que deu origem a “O Coração das Trevas”. No livro, o horror tem como pano de fundo o Congo belga do terrível Leopoldo II. Marlow é contratado para transportar marfim e devolver à civilização Kurtz, chefe num interposto comercial: «Lutei com a morte. É o combate menos estimulante que podem imaginar». No filme, o capitão Willard (Martin Sheen) vai ao encontro do coronel Kurtz (Marlon Brando) para o matar. O significado do horror liga as duas histórias, estando no filme de Francis Ford Coppola (1939) inteiramente associado aos efeitos da guerra na alma dos homens. A viagem ao longo do rio é uma Via Crúcis pautada por estações delirantes, absurdas, em que aldeias são dizimadas por bombas de napalm para que coronéis possam surfar umas ondas em sossego. O possível dentro do impossível. A certa altura, um espectáculo com coelhinhas da playboy degenera numa batalha campal. Pouco depois, uma das raparigas faz sexo ao lado de um cadáver. Massacres de camponeses, batalhões sem comando, soldados alucinados por ácidos, até uma família de franceses que se recusa abandonar a Indochina, surgem como etapas na direcção de uma loucura normalizada que é, à laia de conclusão, a razão de ser da guerra e do horror. «Achas os meus métodos pouco saudáveis?», pergunta o coronel Kurtz. «Não vejo método nenhum», responde o capitão Willard. É esta ausência de método, pelo menos aparentemente, o que mais fere a sensibilidade de quem não vislumbra razão nenhuma na prática corrente da violência. Já não se trata de viver com o dedo a auscultar permanentemente o pulso, mas antes de temer auscultá-lo e não ouvir nada por ter dentro de um ser ainda vivo o coração deixado de bater.
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