É chato dizer tais coisas, e sabe Deus quanto
preferia não as dizer, mas não é possível ficar calado. A 9 de Abril de 2015 foram
aprovadas pelo parlamento da Ucrânia quatro leis de descomunização, as quais
redundaram na proibição das actividades do KPU (Partido Comunista Ucraniano),
na eliminação de literatura e símbolos comunistas, na remoção de estátuas, na
demolição de monumentos, na perseguição, sequestro, tortura e assassinato de
elementos ligados ao KPU. Ainda que possa compreender - o que não significa
concordar - as razões para o rebaptismo de 51.193 ruas, 987 cidades e aldeias,
assim como a remoção de mais de 2000 monumentos (estes problemas com as estátuas e com a história têm por detrás razões que me escapam), julgo
inadmissível em democracia a proibição de partidos políticos cujos programas respeitem a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por razões diversas, desde 1945 foram mais de 50 os partidos políticos ilegalizados nas democracias europeias (Turquia incluída, com 15 partidos banidos) ou por serem de inspiração nazi ou, a seguir à derrocada da URSS, por serem de inspiração comunista.(sobretudo no chamado Bloco do Leste). Na Ucrânia, os partidos são extintos por manifestarem inclinações pró-russas (podemos ver nisto razões ideológicas, ficando por esclarecer quais, ou xenófobas). Já depois da
invasão russa do passado dia 24 de Fevereiro, Volodymyr Zelensky anunciou a
suspensão da actividade de 11 partidos políticos que lhe fazem oposição. Um mês
antes da invasão, uma notícia da Lusa dava conta do seguinte:
Desde a independência em 1991 que a Ucrânia tenta apagar
os vestígios do seu passado soviético no espaço público e hoje é a
história imperial russa que é visada em período de acentuada
radicalização, apesar das resistências que persistem.
Avenida Kreschatky, centro de Kiev, início da tarde de terça-feira. Sob um tímido sol de inverno e uma temperatura a rondar dos dez graus negativos, milhares de pessoas manifestam-se contra o Governo do Presidente Volodymyr Zelenski.
Muitos erguem as bandeiras do Plataforma de Oposição — Pela Vida (OPZZh), liderado por Viktor Medvedchuk, definido como um partido "pró-russo e eurocético" e que, segundo alguns estudos, foi considerado em 2020 o partido mais popular do país.
(Este é um dos partidos com actividade suspensa na
Ucrânia desde o passado dia 20 de Março)
Os manifestantes insurgem-se em nome de um partido que
contesta a atual escalada de tensão com a vizinha Rússia e exigem medidas de
contenção ao Governo de Kiev, que tem recebido nas últimas semanas
importantes quantidades de armamento, provenientes dos Estados Unidos, Reino
Unido, dos países do Báltico, ou promessas de empréstimos e ajudas económicas
da União Europeia.
Na Ucrânia, o conflito de 2014 alterou os dados em jogo na sequência da anexação da Crimeia pela Rússia, e sobretudo após o início da guerra entre o exército ucraniano e os separatistas pró-russos da região do Donbass (leste), que declararam "duas repúblicas populares" em Donetsk e Lugansk, ainda não reconhecidas por Moscovo.
O OPZZh é o maior partido pró-russo presente na Verkhovna Rada, o parlamento unicameral ucraniano, num hemiciclo dominado pelo Servo do Povo (SN), proveniente da "vaga de fundo" em torno do atual Presidente e que lhe garantiu uma clara vitória nas eleições de 2019 contra o ex-chefe de Estado Petro Poroshenko.
Este é alvo de um processo judicial por "alta traição" por alegado envolvimento na compra de carvão nas decadentes regiões industriais sob controlo separatista.
A Ucrânia sobrevive a estas contradições, enquanto prossegue o braço de ferro com a Rússia, com crescente concentração de soldados ucranianos na "linha da frente" do Donbass e de forças militares da NATO em países do Leste que foram aderindo à Aliança desde 1991, após a Rússia ser acusada de pretender invadir a Ucrânia com uma poderosa força militar posicionada junto às fronteiras. O que o Kremlin continua a desmentir.
(Esta notícia, recordo, é anterior à invasão de 24 de
Fevereiro)
"Queremos sanções dolorosas aplicadas à
Rússia", indica Volodymir Ariev perante um grupo de jornalistas
estrangeiros convidados a visitar o país, na sede da União Nacional de
Jornalistas da Ucrânia, situada na Avenida Avenida Kreschatky, atravessada
pouco antes pela manifestação "pró-russa".
Dirigente do partido Solidariedade Europeia, de Petro Poroshenko, e chefe da delegação ucraniana na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Ariev reproduz um discurso onde as referências nacionalistas e as medidas para conter a "agressão de Putin" se confundem.
Mas a grande Kiev, uma cidade com mais de quatro milhões de habitantes, vive em calma aparente. O tráfego é intenso e permanente, edifícios em estilo neoclássico, outros da época soviética, rivalizam com modernos edifícios onde as lojas oferecem os melhores produtos ocidentais. Anúncios recordam os 30 anos de independência, com as cores amarela e azul da bandeira nacional e a frase "juntos e unidos".
O fantasma da guerra, da invasão, parece distante num país que transporta o pesado peso da História do século XX, a efémera independência da década de 1920, a invasão alemã em 1941 com nova declaração de "independência", os tempos soviéticos que se querem conspurcados e a afirmação face ao vizinho e gigante russo.
"A atual situação está a ser exagerada, é como confundir um inseto com um elefante", diz Alex, um jovem funcionário público natural da capital.
Mas a atual liderança ucraniana, os principais partidos nacionalistas e "pró-europeus" radicalizaram o discurso por considerarem que o atual contexto pode colocar o país no caminho da ambicionada esfera euro-atlântica.
(Sublinho radicalizaram o discurso)
As reivindicações dos separatistas pró-russos, que passa
por um amplo estatuto de autonomia, são liminarmente rejeitadas, por serem
considerados uma "guarda avançada" de Moscovo nos territórios do
Leste, mas o país conta com uma importante população russófona e o
russo permanece uma língua corrente, apesar dos persistentes esforços para um
definitivo predomínio da língua nacional.
"A Rússia pretende controlar o conflito para bloquear todo o processo", assinala Serhiy Garmash, membro da delegação ucraniana no Grupo Trilateral de Contacto sobre o Donbass, um dos fóruns provenientes dos acordos de Minsk, que tentaram solucionar um conflito que, ao fim de quase nove anos, mais de 13.000 mortos e mais de um milhão de deslocados, permanece "congelado", com frequentes incidentes na linha de separação.
Portanto, era este o cenário traçado pela Lusa um mês
antes da invasão russa. Não vale a pena fazer com o conflito na Ucrânia o que
os ucranianos têm tentado fazer com a sua própria história, apagando-a, eliminando-a.
Muito menos sentido fará iludir o presente, com as consequências trágicas de
uma invasão que a cada dia que passa empurra-nos cada vez mais para um
abismo em que alguns parecem estar dispostos a mergulhar. Acabei de ler no
Público que Zelensky será convidado a falar no Parlamento, um parlamento com 6
deputados democraticamente eleitos por um partido que seria proibido na Ucrânia
de Zelensky, deputados que, vivessem na Ucrânia, teriam o mesmo destino que
outros ucranianos comunistas tiveram. É um erro e uma falta de respeito,
sobretudo quando esse mesmo partido tem estado sob o “fogo cruzado” da
comunicação social por defender o mesmo que o Papa Francisco e António Guterres.
Triste destino. O episódio mais recente diz respeito ao horror de Bucha, acerca
do qual o secretário-geral da ONU pediu exactamente o mesmo que o PCP pede: «uma
investigação independente para garantir uma efetiva responsabilização». Em
suma, julgo inadequado convidar Zelensky a falar no Parlamento português.
Bem sei que é pouco popular dizê-lo neste momento, até por terem transformado Zelensky
numa estrela pop a quem só falta atribuírem um Nobel. Há-de chegar o
dia. Prefiro outro tipo de solidariedade para com o povo ucraniano, uma
solidariedade efectiva que não desrespeite objectores de consciência e não se
comprometa com proibições de partidos políticos e crimes de guerra que não são
exclusivo de uma das partes. A exibição de soldados capturados e disparar
contra os joelhos dos prisioneiros também conta, certo? A imagem ao alto é de
uma notícia do Diário de Lisboa de 20 de Novembro de 1987, fazia eu 13 anos.
Lembra a visita de Cicciolina ao Parlamento. Bons tempos.
Avenida Kreschatky, centro de Kiev, início da tarde de terça-feira. Sob um tímido sol de inverno e uma temperatura a rondar dos dez graus negativos, milhares de pessoas manifestam-se contra o Governo do Presidente Volodymyr Zelenski.
Muitos erguem as bandeiras do Plataforma de Oposição — Pela Vida (OPZZh), liderado por Viktor Medvedchuk, definido como um partido "pró-russo e eurocético" e que, segundo alguns estudos, foi considerado em 2020 o partido mais popular do país.
Na Ucrânia, o conflito de 2014 alterou os dados em jogo na sequência da anexação da Crimeia pela Rússia, e sobretudo após o início da guerra entre o exército ucraniano e os separatistas pró-russos da região do Donbass (leste), que declararam "duas repúblicas populares" em Donetsk e Lugansk, ainda não reconhecidas por Moscovo.
O OPZZh é o maior partido pró-russo presente na Verkhovna Rada, o parlamento unicameral ucraniano, num hemiciclo dominado pelo Servo do Povo (SN), proveniente da "vaga de fundo" em torno do atual Presidente e que lhe garantiu uma clara vitória nas eleições de 2019 contra o ex-chefe de Estado Petro Poroshenko.
Este é alvo de um processo judicial por "alta traição" por alegado envolvimento na compra de carvão nas decadentes regiões industriais sob controlo separatista.
A Ucrânia sobrevive a estas contradições, enquanto prossegue o braço de ferro com a Rússia, com crescente concentração de soldados ucranianos na "linha da frente" do Donbass e de forças militares da NATO em países do Leste que foram aderindo à Aliança desde 1991, após a Rússia ser acusada de pretender invadir a Ucrânia com uma poderosa força militar posicionada junto às fronteiras. O que o Kremlin continua a desmentir.
Dirigente do partido Solidariedade Europeia, de Petro Poroshenko, e chefe da delegação ucraniana na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Ariev reproduz um discurso onde as referências nacionalistas e as medidas para conter a "agressão de Putin" se confundem.
Mas a grande Kiev, uma cidade com mais de quatro milhões de habitantes, vive em calma aparente. O tráfego é intenso e permanente, edifícios em estilo neoclássico, outros da época soviética, rivalizam com modernos edifícios onde as lojas oferecem os melhores produtos ocidentais. Anúncios recordam os 30 anos de independência, com as cores amarela e azul da bandeira nacional e a frase "juntos e unidos".
O fantasma da guerra, da invasão, parece distante num país que transporta o pesado peso da História do século XX, a efémera independência da década de 1920, a invasão alemã em 1941 com nova declaração de "independência", os tempos soviéticos que se querem conspurcados e a afirmação face ao vizinho e gigante russo.
"A atual situação está a ser exagerada, é como confundir um inseto com um elefante", diz Alex, um jovem funcionário público natural da capital.
Mas a atual liderança ucraniana, os principais partidos nacionalistas e "pró-europeus" radicalizaram o discurso por considerarem que o atual contexto pode colocar o país no caminho da ambicionada esfera euro-atlântica.
"A Rússia pretende controlar o conflito para bloquear todo o processo", assinala Serhiy Garmash, membro da delegação ucraniana no Grupo Trilateral de Contacto sobre o Donbass, um dos fóruns provenientes dos acordos de Minsk, que tentaram solucionar um conflito que, ao fim de quase nove anos, mais de 13.000 mortos e mais de um milhão de deslocados, permanece "congelado", com frequentes incidentes na linha de separação.
5 comentários:
Condordo contigo.
E sim: bons tempos.
Portanto, partidos nazi podem existir. É a democracia, estúpido!
Diogo, leia o que está escrito: «julgo inadmissível em democracia a proibição de partidos políticos cujos programas respeitem a Declaração Universal dos Direitos Humanos». Conhece algum partido nazi cujo programa respeite a Declaração Universal dos Direitos Humanos?
«Acrescentar o quê?», pergunta-se um pouco mais abaixo.
Ler sempre, continuar a ler.
Os filhos, pouco lêem, os netos não lêem e se calhar estão à espera que bata a bota para venderem a livralhada e comprarem bilhetes para o nimas e empaturrarem-se de pipocas e ice tea de pêssego. Mal sabem eles que os alfarrabistas compram sempre ao quilo e dizem à cabeça que os livros estão riscados, as lombadas partidas, o miolo não está limpo.
O Jorge Silva Melo partiu, o Gastão Cruz também, o Adriano faria amanhã 80 anos e sabe melhor que ninguém a falta que nos tem feito.
Neste texto agora lido, há coisas que sabia, outras não. Os gajos das televisões não sabem nada nem querem saber, os militares que lá têm ido dizer coisas e coisinhas, também não sabem nada, no meu tempo, para a guerra de guerrilha nas colónias, picadas e capim alto, tinham manuais de guerra convencional.
Porque apenas não tenho o «Perfil da Estátua» e «Corpo Terra» do Eduardo Guerra Carneiro, tenho andado à procura, e só agora me vão conseguir arranjar a antologia «Mil e Outras Noites».
Cada um tem a sua biblia e o que me têm valido são as cartas do Mário-Henrique para a Isabelinha:
«Demiti-me de tudo. Estou só. Aliás, sempre estive. Agora dizem que sou anarquista, inimigo do Estado. Talvez seja, não sei. O que eu não sou com certeza, é oportunista.»
«Acresentar o quê?», pergunta-se um pouco mais abaixo.
antes da inoculação já era difícil encontrar alguém que pensasse, depois da campanha massiva eu diria que será quase impossível...
O Zétuga é um parente próximo do Zelinsky são ambos descendentes directos do grande Zé, um prefixo universal que conecta nestes tempos de globalização tecnológica e revolucionária com tudo e em todas as línguas. Zé é uma entidade nele mesmo. Em portugal já vivemos com o Zé há muito tempo, diria Zéculos, tivemos presidentes, primeiro ministros e prostitutas. Eu que não pedi para nascer nem tive a oportunidade de escolher o meu nome e também o sou em homenagem a outro Zé que já cá não está. Portanto, não há nada a dizer, façamos talvez uns anos de silêncio porque dizem que ajuda à putrefacção da ignorância. Ainda não conseguimos abolir o ruído.
Quanto aos direitos humanos, sim são como as estrelas, estão lá no céu a milhões de anos-luz extinguindo-se para que as estrelas brilhem.
bela compilação, um abraço e saúde!
Enviar um comentário