sábado, 28 de maio de 2022

PRÉMIO SARA MAGO

 
   Esta noite sonhei que o meu pai estava muito zangado comigo. Passava o tempo todo a dizer-me: «Tu tens de aprender a vender-te, um homem adulto sabe vender-se, homem que é homem vende-se, não te podes saldar em época alta nem inflacionar em época baixa, adequas o preço às circunstâncias, vê se aprendes, abre os olhos, cresce para a vida e vende-te.» Pois bem, foi o que fiz.
   O desespero impeliu-me a concorrer a um prémio literário da Porto Editora. E não é que ganhei. 40.000 dele, um luxo, andava todo vaidoso. Até fui cortar o cabelo e fiz a barba, já tinha dinheiro para giletes.
   O problema foi só depois haver reparado que o prémio implicava um vínculo aos antigos patrões, as sanguessugas da Porto Editora que me haviam explorado durante 11 anos da minha vida. E o contrato de edição implicava que eu não publicasse por mais ninguém durante 10 anos, exclusividade absoluta. Caramba, entre ganhar 3 anos de salário com um prémio e perder 10 anos de liberdade, como as coisas estão, é uma tentação. Um tipo sente-se atraído pela escravatura. E assim como assim os da PE são daquele tipo de anelídeos aquáticos, outrora usados na sangria capilar, com características hermafroditas, o que os torna inclusivos, a despeito das ventosas e da hirudina que os faz abjectos.
  Contei tudo ao meu pai. Ficou muito chateado comigo: «Tu não te sabes vender, pá», dizia-me, «mas quando é que vais entender que um homem não tem de se vender para saber vender-se?»
   Acordei a pensar na questão.

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