domingo, 5 de junho de 2022

EPITÁFIOS

 
Fico à nora sempre que me pedem uma breve nota biobibliográfica. O problema começa logo no nome, uma parvoíce de que já não me salvo. Mas porque raio fui eu assinar os livros com quatro nomes? Devia ter deixado isso para a Sophia de Mello Breyner Andresen, que, para todos os efeitos, é Sophia e acabou, e para o João Miguel Fernandes Jorge, João Miguel para os amigos. O meu nome é um problema que tenho comigo mesmo. O Al Berto é que foi esperto. Em tempos pensei adoptar qualquer coisa do tipo Em Rique. Talvez me facilitasse a vida. Depois uma pessoa mete o quê nessas notas? Detesto aquelas em que os autores fazem piadas sobre si mesmos, para parecerem engraçados. Qualquer coisa do tipo: «Manuel Joaquim publicou dois livros. Não se lembra dos títulos.» Acho essas coisas mesmo estúpidas, mais valia não dizerem nada. O que deve uma pessoa dizer? O local onde nasceu? Já não quero lembrar. A formação académica? Mas para quê? A ocupação? Estão sempre a desactualizar-se. Os títulos publicados? Quais? Todos? Se não, quantos? Talvez o melhor apontamento biobibliográfico fosse qualquer coisa do género epitáfio. Já sabemos que o melhor de todos é do O’Neill: “Aqui jaz Alexandre O’Neill, um homem que dormiu muito pouco, bem merecia isto”. Outros há bem curiosos, não vale a pena estar para aqui a citá-los. Eu já escrevi alguns, mas não gosto de nenhum. Até porque quero ser cremado. E, se bem sei, um tipo quando é cremado não precisa de epitáfios. Talvez desse uma nota biobibliográfica razoável: «Henrique Manuel Bento Fialho quer ser cremado. Não precisa de epitáfios.» Acho que vou começar a entregar isto quando me pedirem as tais breves anotações autobiográficas.

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