sábado, 4 de junho de 2022

GUNAKADEIT (2014)

 


Levar a vida de improviso, sem buscar fins nem engendrar meios, rasurar da agenda todos os desejos e ambições e objectivos, caminhar a esmo dentro e fora das muralhas, saborear o acaso inesperado, o encontro fortuito, recusar mapas, guias, prescindir de toda e qualquer orientação que não seja solicitada pela estrita vontade, mais de saber onde não se está do que perceber para onde se quer ir, acordar lentamente como uma flor a abrir, transformar a boca numa corola onde abelhas venham colher o pólen das palavras, raras, cada vez mais raras, dizer não sem remorsos nem pesos na consciência, assumir de uma vez por todas o animal em vias de extinção que dentro de nós perece, comparecer diante do próprio reflexo como uma sombra desse reflexo, sem deslumbramento nem vaidade, permitir aos outros o acesso ao silêncio dentro de nós selado como um tesouro antigo, isso e respirar fundo sempre que as pálpebras nos protejam do exterior, desactivar a timeline recebida por email para nos lembrar de tudo quanto ficou por fazer, o já feito realizado está, agora é esquecê-lo, apagá-lo, não para fingir que não aconteceu, antes pelo prazer do incêndio, o gozo repousado na cinza, antes pela satisfação e o consolo que a destruição oferece a quem em tudo busca regenerar-se, apagar para fazer de novo o velho, verbo inicial na juventude envelhecido e na velhice ressuscitado. É este o programa.

Sem comentários: