Levar a vida de improviso, sem buscar
fins nem engendrar meios, rasurar da agenda todos os desejos e ambições e
objectivos, caminhar a esmo dentro e fora das muralhas, saborear o acaso
inesperado, o encontro fortuito, recusar mapas, guias, prescindir de toda e
qualquer orientação que não seja solicitada pela estrita vontade, mais de saber
onde não se está do que perceber para onde se quer ir, acordar lentamente como
uma flor a abrir, transformar a boca numa corola onde abelhas venham colher o
pólen das palavras, raras, cada vez mais raras, dizer não sem remorsos nem
pesos na consciência, assumir de uma vez por todas o animal em vias de extinção
que dentro de nós perece, comparecer diante do próprio reflexo como uma sombra
desse reflexo, sem deslumbramento nem vaidade, permitir aos outros o acesso ao
silêncio dentro de nós selado como um tesouro antigo, isso e respirar fundo
sempre que as pálpebras nos protejam do exterior, desactivar a timeline recebida
por email para nos lembrar de tudo quanto ficou por fazer, o já feito realizado
está, agora é esquecê-lo, apagá-lo, não para fingir que não aconteceu, antes pelo
prazer do incêndio, o gozo repousado na cinza, antes pela satisfação e o
consolo que a destruição oferece a quem em tudo busca regenerar-se, apagar para
fazer de novo o velho, verbo inicial na juventude envelhecido e na velhice ressuscitado.
É este o programa.
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