sexta-feira, 3 de junho de 2022

MAQUIAVEL & PESSOA

 

«Deve então ter um príncipe o maior cuidado de que nunca lhe saia da boca uma coisa que não esteja cheia das supraescritas cinco qualidades, e de que pareça, a quem o veja e ouça, todo piedade, todo fé, todo integridade, todo religião. E não há coisa mais necessária de parecer ter que esta última qualidade. E os homens em geral julgam mais pelos olhos que pelas mãos, porque ver é coisa que toca a todos, e sentir a poucos. Todos vêem o que parecemos, poucos sentem o que somos; e esses poucos não se atrevem a opor-se à opinião desses muitos que têm a majestade do Estado a defendê-los; e nas acções de todos os homens, e mormente dos príncipes, aí onde não há tribunal para reclamar, apenas se atende ao resultado.»

Nicolau Maquiavel, in "O Príncipe", tradução de Caros E. de Soveral, 5.ª edição, Guimarães Editores, 1994, p. 86.

 

«Que me importa que o papel-moeda da minha alma nunca seja convertível em ouro, se não há ouro nunca na alquimia factícia da vida? Depois de todos nós vem o dilúvio, mas é só depois de todos nós. Melhores, e mais felizes, os que, reconhecendo a ficção de tudo, fazem o romance antes que ele lhes seja feito, e, como Maquiavel, vestem os trajes da corte para escrever bem em segredo.»

Bernardo Soares, in "Livro do Desassossego", edição de Richard Zenith, 4.ª edição, Assírio & Alvim, Maio de 2003, p. 120.

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