«Deve então ter um príncipe o maior cuidado de que nunca
lhe saia da boca uma coisa que não esteja cheia das supraescritas cinco
qualidades, e de que pareça, a quem o veja e ouça, todo piedade, todo fé, todo
integridade, todo religião. E não há coisa mais necessária de parecer ter que
esta última qualidade. E os homens em geral julgam mais pelos olhos que pelas
mãos, porque ver é coisa que toca a todos, e sentir a poucos. Todos vêem o que
parecemos, poucos sentem o que somos; e esses poucos não se atrevem a opor-se à
opinião desses muitos que têm a majestade do Estado a defendê-los; e nas acções
de todos os homens, e mormente dos príncipes, aí onde não há tribunal para
reclamar, apenas se atende ao resultado.»
Nicolau Maquiavel, in "O Príncipe", tradução de
Caros E. de Soveral, 5.ª edição, Guimarães Editores, 1994, p. 86.
«Que me importa que o papel-moeda da minha alma nunca
seja convertível em ouro, se não há ouro nunca na alquimia factícia da vida?
Depois de todos nós vem o dilúvio, mas é só depois de todos nós. Melhores, e
mais felizes, os que, reconhecendo a ficção de tudo, fazem o romance antes que
ele lhes seja feito, e, como Maquiavel, vestem os trajes da corte para escrever
bem em segredo.»
Bernardo Soares, in "Livro do Desassossego",
edição de Richard Zenith, 4.ª edição, Assírio & Alvim, Maio de 2003, p.
120.
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