Será pedir demais? Faz hoje 10 anos que
o perguntaste. E eu ainda não respondi. Estou a ouvir Richard Galliano e Michel
Portal, sentado à secretária que encostei a uma parede do sótão, rodeado de
livros sublinhados e anotados. São necessários dois para dançar um tango. Pelas
clarabóias sujas entra uma luz acinzentada como a do meu rosto sempre que te
recordo. Preferia ter já esquecido tudo, mas como um lapso que nos envergonha
permanece viva no desespero a ânsia de esperar. Ser apanhado em contramão,
cometer uma gafe no discurso, fazer figuras tristes e não haver tapete para
debaixo do qual possamos varrer o opróbrio, são espinhos enterrados na carne
que aí hão-de perdurar até que a carne apodreça. Agora invento sonhos para
gerar sorrisos. Do mal, o menos: a alegria dos outros. E adormeço a pensar na
pergunta que me fizeste há 10 anos e à qual ainda não respondi. De passeio pelo
interior, visitei uma praia fluvial apresentada algures como um dos
lugares mais belos do país. Encontrei tudo abandonado, as infra-estruturas de
apoio num doloroso estado de degradação. Até as águas me pareceram chocas. Ainda
assim, mergulhei. Porventura esperando encontrar no lodo, no fundo das águas,
entre a vegetação, qualquer coisa que respirasse. Sentei-me depois num banco
partido e tirei algumas fotografias aos cacos espalhados pelo chão como pelo
meu corpo se espalhava a água suja. Mirei ao longe uma ponte por onde outrora passavam
comboios, antes da linha haver sido desactivada. Foi tal a desolação que sorri.
Do mal, o menos: uma dor que ri. Respondo-te agora que por mais que me peças
nunca será demais o quanto me pedires.
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