quarta-feira, 27 de julho de 2022

SEARCH FOR PEACE (1967)

 


Abri a janela e lá estava a lua a espreitar. Não há velório nem funeral que me comova diante de uma lua assim, a desfazer-se para previsivelmente retomar o seu formato original daqui a dias. Qual o formato original da lua? É tudo ilusório, como haver dentro de mim algo a que possa chamar meu. Eu. Também a vida é uma fase. Nascemos cheios para irmos mingando até desaparecermos quase por completo. Nunca a luz desaparece por completo, fica sempre visível uma ferradura de poeira que à distância nos parece de luz. Os dias vão sendo cumpridos com leituras e ensaios, não há palavras novas no horizonte, apenas uma e outra imagem respigadas aqui e acolá. Para quê perder tempo com a natureza das palavras inventando-lhes substâncias que não têm? Já sabemos que a linguagem é abstracta, que entre a palavra maçã e uma maçã abre-se um abismo infinito, que pensamos recorrendo a representações, a nossa cabeça não é um tabuleiro em que possamos espalhar peças de um lego com o qual construiremos edifícios tridimensionais. Perder tempo ainda com essas coisas para quê? Procuro paz na lua inesperadamente avistada ao abrir a janela, na lua que me vê lá de onde sempre esteve a olhar para mim, mesmo quando eu não me apercebi de que ela estava onde sempre esteve e sempre estará, antes e depois daquilo que fui, sou, serei. Isso, o gesto subtil de abrir o leitor de CDs, meter a tocar McCoy Tyner e deixar o pensamento correr como se fosse eu, em criança, a fugir do que agora sou.

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