Nunca percebi porque razão as
nossas histórias da filosofia começam invariavelmente com os gregos. Os homens
não pensavam antes dos pré-socráticos? Mais grave é a quase completa ausência
de Confúcio no tabuleiro desta partida. O argentino Jorge Luis Borges falava
com entusiasmo de uma história da filosofia que começava com chineses e
indianos, da mesma maneira que entusiasticamente se empenhou em desfazer a
dicotomia Ocidente/Oriente. Onde começa um e acaba o outro? Não serão ambos resultado
de influências mútuas durante séculos de contactos, viagens, batalhas, disputas
territoriais? Entre os autores que conheço, nenhum outro supera Eduardo Galeano
na desmistificação de uma suposta superioridade cultural do ocidente. Galeano
também é sul-americano, do Uruguai, um continente cuja história está profunda e
tragicamente estigmatizada pelo colonialismo ocidental. Há culturas superiores,
dizia, escrevia e repetia há tempos um desses parvalhões com palco permanente na
imprensa e no entretenimento (não são ambos cada vez mais a mesma coisa?). Fará
ele ideia do que nos legaram os chineses, do que com eles aprendemos e do que
neles copiámos? Reconhecerá a relevância dos árabes em inúmeras matérias?
Talvez não, se até o filho de uma estimável poeta afirmou que os árabes não
deram nada de valoroso à humanidade. Acho lamentável que os pais nada ensinem
aos filhos. Foi o que sucedeu com este, pobre coitado, a mãe andava ocupada a
escrever poemas e o rapaz ficou assim. A humanidade, na sua diversidade
cultural, mistura-se, influencia-se, contamina-se, sendo que cada um de nós é
resultado de inúmeros encontros e cruzamentos. Portugal há-de ser das regiões
neste mundo com mais misturada genética. O fim de uma península no termo de um
continente. Paravam aqui os povos e, não havendo nada diante, por aqui ficavam
para mal dos seus pecados. Alguns terão voltado para trás. Não podemos
criticá-los. As coisas são o que são e são muita coisa diferente ao mesmo tempo.
Vem isto a propósito de quê? De Confúcio, pois claro. E de um analecto no qual
tenho pensado muito ultimamente. Diz assim:
Chi-lu perguntou como deviam
ser servidos os espíritos dos mortos e dos deuses. O Mestre disse: «Tu nem
sequer és capaz de servir o homem. Como podes servir os espíritos?»
«Posso perguntar sobre a morte?»
«Tu nem sequer compreendes a vida. Como podes compreender a morte?»
«Posso perguntar sobre a morte?»
«Tu nem sequer compreendes a vida. Como podes compreender a morte?»
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