domingo, 14 de agosto de 2022

LUSH LIFE (1993)

 


Tem dias que os meus intestinos também cantam assim, disse ao escutar a música de um buraco negro captada pela NASA. Era um som gutural, espécie de arroto impelido para o interior, obrigado a desfazer-se contra as paredes do estômago. Exactamente o oposto da peça de Duke interpretada por Michel Petrucciani a que agora presto as minhas atenções enquanto medito sobre rodelas de chouriço reluzindo em constelações distantes. Eu quero lá saber dos buracos negros e das suas flatulências. Não chega o gás produzido pela Terra? Não me interessam galáxias distantes, continuo empenhado na complexidade do que me é próximo. São-me estranhos o interesse dos homens que pagam fortunas por breves instantes no espaço, a riqueza investida na investigação dos astros contra a falta de orçamento para o Serviço Nacional de Saúde. Tenho dito e repito, vamos todos morrer de sede com as piscinas cheias de água. Deixem-me em paz, não quero saber dos vossos foguetões, dos buracos negros, dos asteróides nem das galáxias múltiplas. Prefiro os orgasmos das flores africanas, as aporias de Zenão, a minha cadela a acordar-me a horas certas esperando que a leve a passear. Prefiro a exuberância da finitude à ruína fútil da eternidade.

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