quinta-feira, 4 de agosto de 2022

UM CONTO DE LAÍS CHAFFE




UM BALDE

   Aquela noite havia recuperado seu olhar de infância, e ela concluiu que agora estava tudo em suas mãos: se agarrasse com firmeza o entusiasmo fugidio que parecia ter se entregue sem advogados na véspera, poderia clonar os velhos tempos. E foi com esse olhar verde-flutuante que providenciou um novo corte nos cabelos, uma blusa vermelha e um vinho branco de salões por ela nunca freqüentados.
   Quando ouviu o barulho da porta sendo aberta, sentou-se no sofá com uma displicência estudada. A mesma com que colocara, na mesinha auxiliar ao lado, a garrafa de vinho no balde de gelo. Ele entrou rápido e estava normal. Nem mais, nem menos. Deu um beijo de verão na boca da mulher e seguiu no mesmo ritmo para o quarto, onde se curvou para beijar, agora lentamente, a testa do bebê que dormia. Ficou observando a criança cheio de emoção e, sem se virar, comentou que a filha deles estava cada vez mais linda.
   Na passagem, ele havia derrubado o balde. Ato reflexo, ela ainda conseguira salvar a garrafa. Mas uma parte do gelo derretido tinha molhado sua blusa. Então a mulher trocou de roupa.

Laís Chaffe (1966), in Não é Difícil Compreender os ETs, AGE Editora, Porto Alegre, 2002, pp. 77-78.

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