quinta-feira, 4 de agosto de 2022

REAL LIFE (2012)

 


Será possível gostar e não gostar ao mesmo tempo, assim como gostamos e não gostamos de Sun, da Cat Power, ao mesmo tempo? Tinha tudo para dar bem, invocações indígenas, a dança do sol, ciganos em debandada, palavras de ordem contra esta sociedade de hipócritas, o mundo governado numa balança desequilibrada, 8 mil milhões de néscios indiferentes ao mal uns dos outros, metidos consigo mesmo e as suas necessidades. Assimetrias. É assim que se diz, não é? Lírica certa para melodias erradas. Que bicho me saiu o ser humano, vírus da mediocridade. Um dia morreremos todos à sede preocupadíssimos com a falta de água para dar banho ao cão. Será possível amar alguém na exacta medida em que detestamos tudo em geral? Talvez plantando milho em terra seca, esperar que a sede seja saciada por chuvas douradas celestes, banhos de sol e tudo a arder. Como é que ela diz? Filhos da puta a queixarem-se enquanto há quem morra à fome. Pois, já o Vergílio Ferreira dizia mais ou menos o mesmo: «Os teus problemas são um insulto para quem não tem que comer.» Mas de quem é aquela voz que já só te chega em eco frouxo? Parece mesmo a tua, é mesmo a tua. E então ouves-te a dizer coisas que julgavas nunca ditas e juras calar-te para sempre e pedes perdão pelo que não fizeste e arrependes-te do que fizeste e torturas-te com fogachos de situações miseráveis em que foste apanhado, catado, cassado, acossado, em flagrante, em flagrante, deflagrante. Não preciso de dizer a mim próprio cinco vezes ao dia que está na hora de partir, antes de acabar partido como um copo inadvertidamente caído ao chão.  

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